terça-feira, novembro 27, 2007

O eterno retorno







Quando chove é assim, não adormeço.
Viro terra molhada de esperança.
Viro o cheiro da mata,
Viro dança,
Arco-íris que vem pra celebrar.
Viro noiva sorrindo no altar.
Me transformo em cantigas e novenas.
Viro Helena de Tróia,
Sou Atenas,
Afrodite nascida para amar.
Desabrocho no rio,
Vitória-régia!
Viro a areia beijada pelo mar.
Viro fogo na brasa, crepitando.
Melodia das noites de luar.

Quando chove é assim,
Eu viro lava
E incandesço nas curvas do caminho.
Um vulcão explodindo,
passarinho,
Espalhando seu canto pelo ar.
Quando chove é assim,
Eu viro verbo,
E um poder de dizer vem me tomar.
Viro história encantada,
Viro lenda,
Sherazade de noite, a nos salvar.

Quando chove eu sou mil e uma noites
Estreladas no céu de Bagdá.
Quando chove eu sou mundo
Sem fronteiras,
Universo, partícula, poeira...
Energia, silêncio, sintonia,
Uma crença, um rito, uma oração

Quando chove eu, de novo, sou menina,
De vestido, brincando no sertão...


Goimar Dantas
Ilhabela, Litoral Norte de São Paulo
12/11/07
Foto: Jean Paul Nacivet

quinta-feira, novembro 22, 2007

Drummondiana



Joguei pedrinhas
Rodei ciranda
Pulei a corda
Com pernas bambas
E no pique-esconde
E na queimada
Eu era tudo
E hoje sou nada...
Será???

Virei a curva
da inocência
Perdi o bonde
do seu frescor
Ganhei as rugas
da incoerência
Cabelos brancos
pelo pavor
De não ter mais
como voltar
De não ser mais
o “eu” da infância
de não lembrar
o que é pureza
De não perder
a esperança

E o que restou?
Restou memória
Poeira e estrada
Chão batido
Mão calejada...

E sentimento
E valentia
E liberdade
E mais-valia
E o lucro certo?
Quem sabe, um dia...

Mas vida é gana
Mas vida é sorte
Mas vida é choro
saudade
morte
E tudo é drama
Tudo é poesia
E tudo é graça
Tudo euforia...

E tem chegada
E tem partida
E longo abraço
de despedida
E vela acesa
E meio-dia
E correnteza
E calmaria

E é sempre a busca
Daquela chama...
Da alma em brasa,
Do amor de fato
Crime perfeito!
Vapor barato...

E noves fora?
Pensando bem...

Eu sou a soma
Desse passado
Dessa distância
Desse contexto
Da circunstância!

Eu sou o lá longe
Eu sou a cana
Eu sou o trago
Eu sou a lama
Eu sou a estrela
E a tempestade
O céu mais claro
Eu sou vontade!

Eu quero é mais
Eu sou mais forte
Eu sou sertão
Eu sou do Norte
Eu sou o poço
Que não tem fundo
Eu sou o quintal
Eu sou o mundo

Eu vim de lá
(pequenininha...)
Eu sou o peixe
Eu sou a espinha
Eu sou o agora
Eu sou o futuro
Da minha história
Eu sou murmúrio
Eu sou o grito
Eu sou o compasso
Eu sou a dança
Eu sou o laço

Eu sou o espaço
E o infinito
Desse oceano
um ledo engano!

Eu sou carícia
Furor selvagem
Eu sou sambista
E a malandragem
A fina estampa
Dessa cidade
A miscelânea
desse país!

Eu sou artista
Eu sou poeta
Eu não me escondo
Eu estou na Praça!
Eu sou mistura
de toda a raça...

E eu sou Paulista!
Consolação
A Ipiranga
A São João...
O cruzamento
Farol aberto
O andarilho
sem rumo certo.

Eu sou resumo
Dissertação
Sou argumento
Composição...
E aqui defendo
a minha tese
De ser palavra
De amar a verve!

E não importa o quando:
sou verso livre
filosofia
da confusão
Não sei contar
me perco sempre
não tenho senso
de direção...

Nas minhas veias
vivem os versos
E no meu nome
carrego o mar
Eu tenho fome
de todo o livro
Eu tenho sede:
de saber narrar
Eu sou o Verbo
Sem vã lembrança
Tudo sou eu
E tudo é nós

E ao fim da vida
talvez sejamos
subprodutos do
do que já fomos
tosco rascunho
do que seremos
Transe terrestre
Cafés pequenos...

E dia a dia
Sigo buscando
Essa criança
que está brincando
Essa menina
que está sorrindo
Com suas pedras
pelo caminho.
Goimar Dantas
São Paulo, 21/11/07

Imagem: Crianças brincando de roda, Hans Thoma (1839-1924) - (Der Kinderreigen, óleo sobre tela, 115 x 161 cm) – 1872

segunda-feira, novembro 12, 2007

Herança



(para Yuri Dantas Pedro)

No mês de junho chegará meu filho,
já demonstrando ser fã da alegria,
pois nascerá em tempo de festas,
quermesses, doces e muita folia.

Quero ensinar-lhe a absorver encantos,
a ser artista nesse picadeiro,
a ser na vida um grande equilibrista
e trapezista de sonhos, desejos.

Vou ser a mãe que vai contar histórias
e transmitir-lhe doses de magia,
vou acalmar seu choro com a música
e vou niná-lo com a poesia.

Quero mostrar-lhe o fascínio de tudo,
desde a chuvinha à grande queda d’água
e assim torná-lo defensor da Terra,
um lutador em meio às enxurradas.

Já bem pequeno vai ganhar mil livros,
para entender melhor a realidade,
(mesmo que seja por meio de fábulas,
que com doçuras lhe dirão verdades).

Conversaremos muito sobre a vida
e a importância do termo “vontade”.
Minha missão é transmitir a ele que:
dos grandes sonhos fez-se a humanidade.

Vamos brincar durante todo o tempo,
mesmo já estando longe da infância.
Quero alertá-lo que uma alma alegre,
conserva o espírito cheio de esperança.

Que seja cheio de simplicidade.
Carregue a eterna sede do saber.
Possua a força e a vitalidade
para lutar em cada amanhecer.
Goimar Dantas
20/12/95

quinta-feira, novembro 01, 2007

A premissa de Caymmi


Olhei aquela imensidão
(e com alma plena de sertão)
eu mergulhei sem pensar...

Quando vi,
já estava imersa
naqueles olhos de mar.

Naquelas pupilas-ilhas
onde é bom de naufragar.

Refúgio para a sereia
cuja alma é maré cheia.

Espaço em que a moça mítica
sempre sonhou navegar.

Em êxtase dilatado,
com coração rebocado,

tragado, capitulado,
perdido e enternecido

pelos olhos que eram mar...

E a moça que era sertão
e agora virou sereia

se entrega nesse oceano
sem temer banco de areia.

Aceita serena e mansa
o sal dos olhos de mar:

marejados do marujo
(moço que encarna Netuno)

sedento por devorar
com fome continental

a moça sertão e mar...

E ela, após alcançar,
aquelas janelas da alma

(nadando tão desenvolta
sem lembrar de respirar),
Decidiu submergir....

Deixar, assim, de existir...
Pra nunca ver se apagar

a lembrança do instante
em que atingiu, triunfante

o cerne daquele olhar...

Mas pouco antes de ir,
elevou seus pensamentos

e invocou Janaína,
deusa suprema do mar.

A quem rogou que a partida
para o além dessa vida,

fosse sempre acompanhada
por melodia sem par.

Uma canção que eterniza
amores e despedidas

e que atende pelo nome de:
“É doce morrer no mar...”


Goimar Dantas
São Paulo 1/11/07


Imagem disponível em: http://www.armenguepress.blogger.com.br/caymmi_elifas_andreato02.jpg