quinta-feira, janeiro 28, 2010

Marginal até debaixo d'água





E essa última pancada de chuva me lembrou:
há dias bombeiros procuram minha Poesia Marginal,
engolida pelo Rio Pinheiros.
Ao que parece, em meio a uma dessas tempestades de Verão,
ela se deixou levar por um córrego que a seduziu
com promessas de Mar.
Foi vista pela última vez agarrada a um pneu,
gritando por socorro em três idiomas,
próxima à Ponte Cidade Universitária,
Zona Oeste de São Paulo.
Poesia afogada em esgoto acadêmico...
Marginalíssima, até o fim!

Goimar Dantas
São Paulo
23-01-2010.

quarta-feira, janeiro 20, 2010

Recife e Olinda: crônica de uma viagem anunciada


Rua da Aurora.

Gostei do Recife, mas ainda prefiro aquela outra capital pernambucana, tão lindamente descrita nos poemas de Manuel Bandeira. A Rua da Aurora não é mais o cenário bucólico onde se ia pescar nas linhas de "Evocação do Recife". Longe disso. O segurança do Palácio das Princesas foi quem alertou: “Se vai à Rua da Aurora, tenha cuidado com a máquina fotográfica”. Triste. O medo das ruas onde antes se podia brincar, pescar, namorar debruçado sobre portões ou janelas. As mesmas ruas onde futuros poetas, ainda crianças, sorviam o sumo que, mais tarde, se transformaria em arte.


Oficina Brennand.

Mas a poesia ainda resiste na obra de gênios, como a do artista plástico Francisco Brennand – que se configurou como a maior descoberta desta viagem. É de Brennand uma Oficina gigantesca, misto de casa, museu e ateliê que o artista mantém a cerca de trinta quilômetros do centro. Mas sendo mago do barro, da argila, da cerâmica e dos pincéis, Brennand me captou mesmo foi pelos quadros de suas lindas meninas-mulheres: todas elas habitantes de becos ou de contos de fadas. Pena não poder fotografá-las.



Foi também no Recife que deparei com um pôr-do-sol lindíssimo, pintura inflamável prestes a explodir num gozo amarelo e febril. E em meio a ela, um jovem negro, magro e alto empunhava, soberano, sua singela vara de pescaria, completamente alheio ao quadro que surgia, magnífico, de suas mãos hábeis. As mesmas que, por sua vez, me fizeram pescar esse sonho.


O colorido fridakhaliano da Rua Bom Jesus

Perto dali, vi poesia nas cores dos edifícios e sobrados da Rua Bom Jesus, antiga Rua dos Judeus, onde está localizada a mais antiga sinagoga das américas. Um lugar que transpira história pelas suas paredes de tijolos antigos, poros de uma civilização palpável em sua mistura de massa, cal, suor e conhecimento vindos de povos holandeses, lusitanos e africanos. Para tocá-la, basta que o viajante feche os olhos, num exercício necessário e benéfico de desapego do presente.


Feliz por estar enredada à trama da sensibilidade pétrea e, ao mesmo tempo, fluida de João Cabral de Melo Neto.

É o que faço quando sigo rumo às cidades atemporais: deixo-me levar por séculos, enlaçada à aura de fantasmas boêmios: poetas, escritores, jornalistas, pintores, escultores, comerciantes e advogados que, não raro, lutaram pela liberdade em tempos idos. Espíritos livres cuja energia ainda flui pelos lugares onde viveram, amaram, morreram. Foi assim em Ouro Preto, Mariana, Recife e Olinda.


As casas arco-íris de Olinda.

Olinda, por sinal, é uma cidade eternizada cujo adjetivo mais propício para descrevê-la está em seu próprio nome: linda rainha multicor, especialista em folias carnavalescas. Em Olinda tudo tem a cor da alegria, assim como Flávio, o melhor guia encarnado que já conheci por minhas andanças. Flávio é o retrato de um Brasil que se reinventa, posto que não lhe dão oportunidades herdadas desde o berço. E contrariando previsões pessimistas, Flávio tornou-se mestre das histórias e da História, com "H" maiúsculo, de Olinda. Professor-doutor na arte de encantar, percorreu toda a cidade conosco, explicando pedra sobre pedra, tinta sobre tinta daquele universo tombado pela materialização arquitetônica do Arco-Íris.


Flávio sob o vestido da boneca "Menina de Pernambuco".

E Flávio citou datas, acontecimentos, personalidades. E demonstrou como se dança carregando os tradicionais bonecos gigantes no Carnaval de Olinda - ele mesmo exímio bailarino a segurar o peso de toda uma cultura sobre os ombros. E em meio a tudo isso, Flávio não tirou o sorriso do rosto. Nem nós, que tivemos a sorte de tê-lo ao nosso lado.


Bailarina nas ruas de Olinda


Vista da Praia de Boa Viagem.

Já a praia de Boa Viagem ficará em minha memória como uma bela fotografia: enquadramento mítico para ser apreciado apenas por sua estética, porque inacessível em sua realidade agressiva: cheia de pedras, algas e placas de "Cuidado com os tubarões". Definitivamente desaconselhada para crianças e covardes de marca maior - grupo no qual eu definitivamente me incluo. Também estivemos em Porto de Galinhas, mas por falta de tempo, este post terá de ficar pra depois. No mais, peço licença à elegante Constanza Pascolato, autora de uma frase que considero um deleite, tamanha a dose de verdade que encerra: "Gosto de viajar porque depois posso voltar pra casa".

É isso. Todos aqui de casa já estavam com saudades do nosso cantinho. Até a próxima!

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Ouro Preto e Mariana



Seu eu tivesse tempo, daria pra escrever um livro sobre os dias em que passei em Ouro Preto e Mariana. São tantos assuntos, histórias, impressões e sentimentos que me recuso a esgotar tudo em poucas linhas. Este post será apenas o primeiro de uma série. Isso porque viajo novamente amanhã e é impossível me alongar agora. Só o Pouso do Chico Rei, onde nos hospedamos, rende um texto inteiro. Mas a despeito da minha correria, deixarei um gostinho do que foi a viagem por aqui, por meio de algumas poucas fotos e uma breve explicação sobre o Pouso.

Essa primeira imagem, por exemplo, traz a sala de café lá do Pouso do Chico Rei. Escolhi essa pousada a dedo porque é onde se hospedavam Vinicius de Moraes, Pablo Neruda e a poeta americana Elizabeth Bishop, dentre outros tantos ícones literários e artísticos, sempre que passavam por Ouro Preto. Todos eram amicíssimos das proprietárias, Lili e Ninita. Mais tarde, Bishop comprou uma casa na cidade, coisa que eu também faria se pudesse.

Todos os quartos recebem os nomes desses e de outros artistas, como o quarto Guignard, em homenagem ao grande pintor brasileiro, cuja obra pude conhecer melhor graças a essa viagem a Ouro Preto. Ficamos em dois quartos: primeiro, no Elizabeth Bishop, cujas instalações e a vista são lindas. Depois, no quarto Pablo Neruda.



Os espaços comuns aos hóspedes, como a sala de café e a de leitura, são lindamente decorados. Os móveis são "todos em madeira de lei", como diz Vinicius no poema dedicado ao lugar (para ler o samba e o poema que o autor de Vinicius compôs em tributo ao Pouso clique aqui). Tive a oportunidade de ter acesso ao antigo livro de hóspedes, que contém cartas e bilhetes do "poetinha" que, de diminuto, ao meu ver, não tem nada. Para mim ele sempre foi grande. Imenso. E o livro é uma verdadeira relíquia: além dos bilhetes e cartas de Vinicius, há textos e desenhos de Maysa, Guignard, Maria Bethânea e outras tantas celebridades brasileiras.

"O Pouso", bem como toda a cidade, recebe turistas do mundo todo. Durante os dias em que estivemos lá, o francês, o inglês e o italiano eram os idiomas mais falados nas ruas. Nunca pensei que o turismo internacional fosse algo tão comum em Ouro Preto. Na verdade, fiquei estupefata ao perceber que a maioria dos hóspedes que dividia o pouso conosco nesta semana eram franceses. Pra mim foi ótimo, uma vez que pude treinar um pouquinho o idioma, que anda bem enfurrajado desde o final do meu curso, há um ano e meio.



Essa é uma das vistas do quarto "Elizabeth Bishop". Aliás, Ouro Preto é farto em igrejas barrocas - uma mais linda que a outra. No domingo de manhã, todos os sinos repicam em uníssono: um espetáculo inesquecível - mesmo para quem gosta de dormir até tarde, como é o meu caso.



Tive medo de que as crianças achassem o passeio cansativo, chato. Afinal, achei que temas que remetem às igrejas, aos museus, à Arte Sacra e à maravilhosa história da Inconfidência Mineira são por demais áridos para pré-adolescentes do século 21. Mas eu estava errada. Amém. Eles amaram o tour, sobretudo o passeio de trem Maria Fumaça, para a cidade de Mariana. Yuri se sentiu o próprio Harry Potter indo para a famosa escola de Bruxaria e Magia Hogwart's. :)



Quanto a mim, fica difícil dizer o que mais gostei. Mas vou tentar elencar algumas coisas: O Museu da Inconfidência, a Casa dos Contos, os restaurantes, a Casa Guignard, a atmosfera literária e histórica que permeia tudo e todos na cidade, o bate-papo com a quase centenária Maria Bárbara de Lima, proprietária da casa em cujos fundos foi descoberta, na década de 40 do século passado, a famosa Mina do Chico Rei, personagem ímpar da história de Ouro Preto. Dona Bárbara, aliás, conheceu Cecília Meireles na época em que a escritora realizava pesquisas para escrever seu belíssimo "Romanceiro da Inconfidência".

O fato é que ainda preciso organizar as mais de mil fotos que tirei de Ouro Preto e Mariana. Em todo o caso, quem desejar matar um pouco da curiosidade pode clicar aqui, onde postei mais algumas.

Nos próximos dias, estarei fora novamente para mais um roteiro turístico com o qual sonho há anos. Até a volta!