sexta-feira, janeiro 28, 2011

Faxina



Sempre que mexo nas gavetas do escritório
papéis feitos de saudade logo pulam no meu colo.
Então o mar transborda pelos meus olhos
e as lágrimas lavam a alma, como tem de ser.

Goimar Dantas
São Paulo,
28/01/2011

terça-feira, janeiro 25, 2011

São Paulo Poesia


Estátua de São Paulo Apóstolo, Praça da Sé, São Paulo, Brasil


São Paulo, lamento e caminho, metrópole e ninho, sonho e sedução...
São Paulo, de arrependimentos, prazeres, lamentos, calma e confusão.
São Paulo, da terra molhada, da pele encharcada de raios de sol.
São Paulo, furor pós-moderno, cópia dos infernos, Éden nos Jardins.
São Paulo de mil movimentos, espaços e ventos, verões e manhãs.
São Paulo dos bares e ruas, dos céus e das luas, putas seminuas.
São Paulo, conceito abstrato, do sangue no asfalto, tortura e tesão.
São Paulo, caminhos diversos, atrasos, progressos, trem de uma nação.
São Paulo, paixão visceral, da lama e do caos, sinos, catedrais.
São Paulo dos mil artifícios, dos medos e gritos, luz e escuridão...
São Paulo, trilha de bandeiras, de amor sem fronteiras pro mundo lá fora.
São Paulo das mil hierarquias, das periferias, do samba e do jazz.
São Paulo, poesia concreta, na ferida aberta de todos os loucos.
São Paulo, magia de Houdini, cena de Fellini, Glauber, Mazzoropi...
São Paulo, donzelas vadias, meretrizes castas no centro das praças.
São Paulo, reino dos pilantras, palco de carrascos, de deuses nefastos.
São Paulo, Brasil solidário, berço abençoado no Pátio do Padre.
São Paulo, terra dos gigantes, eternos viajantes, peões e empresários.
São Paulo, rios e viadutos, alegrias e lutos, fonte de afeição.
São Paulo, sem definição! Castigo ou perdão? – Xaxado e baião.
São Paulo, da complexidade e da filosofia de um bom botequim.
São Paulo, roteiro de amores e de dissabores, carma do sem-fim.
São Paulo, tempero da vida. Bela, mas... Bandida. Socorro! Ai de nós!
São Paulo do espírito inquieto, moleque irrequieto nas ruas, sinais...
São Paulo da Santa Poesia, da doce utopia, do norte sem cais...
São Paulo, que acolhe e domina, maltrata e ensina:
TE AMO...
Sem mais!

Goimar Dantas
São Paulo
10/08/2004


Obs: Originalmente essa poesia sobre São Paulo foi publicada no blog em 2006. Mas como hoje é aniversário da cidade, fiquei com vontade de inseri-la aqui de novo. A verdade, entretanto, é que gosto tanto desse lugar que considero todo poema insuficiente para tentar abarcar essa terra tão plena de tudo e de todos. Ainda assim, um poema é o presente mais sincero que posso dar a ela.

São Paulo é como uma cena de cinema fascinando o público em cada plano, beco, avenida, cruzamento, monumento. Uma exposição fotográfica fundamentada na luz e na sombra, na cor e na sua ausência, nas linhas e curvas, na geometria complexa e no traçado mais básico. São Paulo é uma instalação, uma obra de arte, uma surpresa. Se não, vejamos: o que existe na esquina da Ipiranga com a São João? Uma placa? Não! Uma canção!!!!! E o que existe, além de casas e ruas, no bairro do Jaçanã? Ora, meus caros: a alma de Adoniran!

Ah, São Paulo... Cidade que foi a "comoção" da vida de Mário de Andrade e tem sido a de tantos outros poetas, artistas, pedreiros, malabaristas, industriários, empresários, comerciantes, operários. Atores sociais que nutrem um tremendo amor por essa selva que, para além do cimento e do concreto, é muito mais de silvas e souzas; cidadãos que, a despeito de habitar um cenário marcado pela inexistência da estátua do Cristo, estão sempre de braços abertos para receber... Mesmo sabendo que aqui o resto não é mar, e sim o asfalto quente queimando o pé da gente a ponto de fazer com que as pessoas andem sempre apressadas, com cara de incomodadas, preocupadas. São Paulo é o cheiro de piche, é a fumaça, é a vista do edifício. São Paulo seria um vício?

Na alma dos apaixonados por São Paulo está tatuada a frase presente no brasão da cidade. Sentença definidora da estirpe, da nobreza e da beleza que é, no fundo e na superfície, fruto da força proveniente da miscigenação pra lá de generalizada que diferencia o seu povo: "NON DVCOR DVCO", cuja tradução é: "Não sou conduzido, conduzo".

São Paulo é assim: uma Maria Fumaça que tenta trafegar solene pelas veias que levam ao coração do Brasil. Um percurso que já dura 457 anos e que, a cada 25 de Janeiro, queima ainda mais combustível na tentativa de chegar mais longe. São Paulo é mesmo a tal locomotiva e, só pra agradar a criança que mora em nós, se esforça para apitar a cada dia com mais vigor.

Ah!!! O meu amor pelos trens! Parabéns, São Paulo!!! E obrigada, sempre, pela carona!

quinta-feira, janeiro 20, 2011

Feitiço do tempo


Praia de Stella Maris, Salvador, Bahia (dezembro/2010).

Nessa intensa correria,
Escorro por entre os dias.
Tal qual o suor de um tempo
Que percebo evaporar.
Então me transformo em nuvem,
Viro chuva, molho a terra,
Viajo por rios e serras
Para desaguar no mar.
Uma jornada tão longa,
Tão distante, tão profunda...
Tudo pra encontrar o ócio
E ouvir sereia cantar.

Goimar Dantas
São Paulo, 21/01/2010

terça-feira, janeiro 11, 2011

Poesia de José Luís Peixoto

Encantar-te-ás com os poetas até conheceres um.
Com calças de poeta, camisa de poeta e casaco
de poeta, os poetas dirigem-se ao supermercado.

As pessoas que estão sozinhas telefonam muitas vezes,
por isso, os poetas telefonam muitas vezes. Querem
falar de artigos de jornal, de fotografias ou de postais.

Nunca dês demasiado a um poeta, arrepender-te-ás.
São sempre os últimos a encontrar estacionamento
para o carro, mas quando chove não se molham,

passam entre as gotas de chuva. Não por serem
mágicos, ou serem magros, mas por serem parvos.
A falta de sentido prático dos poetas não tem graça.

*

Do livro: Gaveta de papéis (Quasi, 2008)


Obs: Li esse poema no blog Caquis Caídos, da escritora Adriana Lisboa. Achei perfeito.

segunda-feira, janeiro 10, 2011

Sábias baladas




Nessa foto, vemos o jornalista, escritor e crítico literário José Castello, em palestra proferida na lindíssima Livraria da Vila da Rua Fradique Coutinho, na Vila Madalena, São Paulo. Castello dividiu a mesa com o poeta Antonio Cicero e com o mediador Marcelino Freire, que era também o organizador do evento, a já tradicional Balada Literária.

Era o último dia da Balada, mais precisamente 21 de novembro de 2010. Um domingo. E Castello foi sensacional. Falou com paixão, humor, inteligência. Tem o dom da prosa. Soube prender a plateia, que ficou refém - agradecida - de suas palavras. E como a Balada é um dos eventos que serão mencionados no meu livro Rotas literárias de São Paulo (que venho preparando desde o ano passado), acabei gravando toda a palestra.

Terminei a transcrição agora há pouco e não resisti. Preciso compartilhar duas falas de José Castello, ambas carregadas de sabedoria.

Lá vão elas:

Sobre o ofício da escrita

"Todo mundo diz que o escritor é mestre das palavras... É hábil com as palavras... Mas acho que, antes disso, o escritor tem que ser o mestre do silêncio. Você tem que ficar quieto, esquecer da zoeira contemporânea e tentar ouvir as pequenas coisas que te surgem e que, muitas vezes, você não dá nem atenção".



Sobre a importância do medo (Aqui, Castello falava sobre o medo que sentiu durante o processo de escrita de seu livro mais recente, Ribamar, publicado pela Bertrand Brasil, em 2010).

“Em alguns momentos, eu tive muito medo e muita vontade de desistir. Em vários momentos, me deu a impressão de que eu estava entrando numa furada. (...) Foi uma experiência que tive em que o medo foi fundamental: conviver com esse medo, suportar esse medo, fazer alguma coisa com esse medo, dar algum destino a esse medo (...) É uma viagem que você faz de olhos vendados. Você tem que atravessar esse deserto do medo pra conseguir chegar a alguma coisa: se é bom, se é ruim, se é mais ou menos, se não é... Os leitores é que vão dizer. Mas eu consegui chegar a alguma coisa que é minha. Isso eu tenho certeza”.

Fantástico, não é?

Fica aqui meu singelo agradecimento ao Castello e meu desejo de que esses dizeres possam servir de guia, mantra e oração a todos nós que professamos a religião da Palavra: Amém.

sábado, janeiro 01, 2011

Oferenda

Lá fora,
a cadência
da queda d'água.
Cá dentro,
a poesia
inundando a alma.
Chuva de palavras
caindo.
Broto de poema
surgindo.
E nessa folha de papel
(ex-árvore apontando para o céu)
em se escrevendo tudo dá.
E se a colheita vem do que se planta,
a fartura desse texto não me espanta:
é o pão do espírito
que venho compartilhar.

Goimar Dantas
Santa Rita do Sapucaí
31/12/2010