terça-feira, março 30, 2010

O fim das tardes vazias



A gente já se conhecia desde a oitava série, mas, por motivos vários, só começamos a namorar dois anos depois. E tudo teve início, de fato, quando decidi ligar pra ele, numa tarde distante de 1989. Pouco depois de atender, ele me disse que eu havia sido a salvação daquela sua "tarde vazia"... E lá se vão 21 anos de histórias, com direito a dois filhos lindos e 14 anos de casamento, comemorados hoje.

Parabéns pra nós, baby. E obrigada por todas as tardes (e noites e dias...) - que nunca mais foram vazias.


domingo, março 28, 2010

O dia em que levei um fora da poesia



Hoje acordei resoluta: a poesia não haveria de me escapar novamente!
Então, ao vê-la faceira, de vestido branco, em meio àquela festa de sentidos, enchi os pulmões de ar e, tal qual amante latino, segurei-a pela cintura e puxei-a com força em minha direção - disposta a suportar um possível tapa na cara. Mas o que a aconteceu foi ainda pior...

Altiva – e do alto de sua beleza estonteante –, a danada me sorriu com um misto de piedade e sarcasmo (mistura que só ela consegue engendrar, diga-se). Então, com suavidade, retirou minha mão pesada de seu corpo delgado, lançou um olhar fulminante pro horizonte das duas janelas de minha alma cabocla, e disparou: “Desculpe, mas hoje eu realmente não estou a fim. Outro dia, quem sabe?”.

E foi-se embora, rebolativa, na direção de um grupo de rapazes boêmios que, de certo, iriam compor o samba mais bonito de suas vidas.

Saí cabisbaixa do salão e, de uma vez por todas, ciente de que a inspiração, assim como o amor, independe de nossa vontade.

Goimar Dantas
São Paulo
28 de março de 2010

quarta-feira, março 24, 2010

A dor do parto




Minhas costas doem por suportar o meu mundo.
E o músculo, coitado,distendido, dilatado, lembra vidro estilhaçado.
Poça d’água pisada pelos pés de mil meninos.
Tento me erguer e olhar adiante,
mas nem sempre o corpo atende ao comando do querer.
Corpo que não é forte, apesar de eu ser do Norte:
sertaneja que peleja só com a pena, sem cessar.
Pena que cava fundo no solo dos sentimentos
(até achar mina de poesia no vão da lavra dos dias).
E então, do coração, essa terra tão fértil quanto solitária,
brotam textos verdejantes que fazem sombra lá adiante,
onde irei me recostar.
É quando a dor vai-se embora
por tempo suficiente pra eu parir novas histórias,
que de minha frágil costela, novamente, irei tirar.

Goimar Dantas
São Paulo
24-03-2010.

quarta-feira, março 17, 2010

Um presente



Tenho verdadeira compulsão por compartilhar coisas as quais considero essenciais: textos, imagens, dicas de leitura e de filmes. Por isso, em dezembro de 2009 inseri aqui no blog um post em que contava de minha alegria em descobrir a escrita arrebatadora da escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís, mais especificamente em sua obra Antes do Degelo.

Demorei quase um mês para concluir as 366 páginas do livro. Primeiro porque leio devagar, sorvendo as linhas e entrelinhas como se néctar fossem. Depois, porque estava em meio a um intenso ritmo de trabalho e, realmente, me restava pouco tempo para aproveitar a leitura como se deve: aos poucos, sentindo aroma, sabor, textura e outras sensações que nos permitem ir ao âmago dos personagens, como se de fato, vivêssemos e sentíssemos cada uma de suas experiências.

E só agora, três meses depois, consegui uma folguinha para reproduzir, neste espaço, algumas das frases de que mais gostei na obra de Agustina. Como sempre, grifei-as durante a leitura.

Espero que vocês as recebam como uma espécie de presente nesta semana em que o blog ultrapassou os 400 posts (e o que são posts, senão meu jeito de compartilhar um pouco de mim com vocês, desde 2006?).

Aí vão as pérolas deixadas no mar de Antes do Degelo, de Agustina Bessa-Luís, Guimarães Editores, Lisboa, 2004.




1. Eu sempre tive um fraco pelos mestiços. Trazem no sangue um segredo inviolável de tremendas combinações de desejos mal saciados.

2. Em geral donzelas de livros lavam no rio mas não estendem a roupa que lavam. É um erro porque os braços levantados fazem realçar a cintura, e levantam a saia, e produzem mais ilusões para que o amor desabroche.

3. Quando não houver mais esse gosto das coisas inabordáveis e trágicas, não haverá romance, nem literatura, nem nada.

4. Nós só nos conhecemos como homens quando começamos a ser feitos de palavras.

5. Sem escândalo nem temor não se fazem reinos.

6. Ele divertia muito José Rui; passamos bem sem quem nos ama, mas não sem quem nos diverte.

7. Não me falta nada do que preciso. Do que eu quero falta-me muita coisa.

8. Essas relações de juventude, em que não há segredo nem decoro, têm um caráter de saturnais que se não repetem e que são destinadas ao esquecimento.

9. A eloqüência tem que ver com a imagem dum afogamento. Não percebes nada da cultura mediterrânea. Vive da persuasão, não da justiça. O sinal da cruz, por exemplo, cura tanta gente como os antibióticos. O gesto é tudo.

10. Eram inseparáveis, uma dessas amizades que costumam acabar mal porque se esgota a dependência que se criou.

11. Alguma coisa no amigo lhe fazia medo; um medo estimulante, quase agradável, como o percurso de um vício.

12. Na sua imensa sabedoria (tinha uma intuição feminina que raramente o enganava) percebia que as palavras que se evitam são as que nos salvam.

13. (...) ela levantava-se às onze horas, muito por favor, e lia até tarde no quarto, cada vez mais instruída, erudita e com pouca disposição para os tolos.

14. Era meio filósofo, que é no que se tornam os infelizes que se ignoram.

15. Há sempre uma árvore particular nas memórias de uma pessoa triste.

16. Tinha-se a ideia de que a poesia é qualquer coisa que se dispensa e até prejudica. É uma espécie de habilidade, um jogo servido pelas palavras.

17. Era uma coisa tão bonita que nem precisava ser vivida, bastava ser recordada.

18. O crime não interessa, o que interessa é a culpa.

sexta-feira, março 12, 2010

Eucanaã Ferraz - Uma certeza



Se tem uma coisa de que eu gosto no mundo é poder ver (ouvir) poetas falando sobre poesia e o fazer poético. Trata-se de uma expressão sempre única, singular. Cada um entende e faz poesia de um jeito diferente. Também é assim com a prosa, e não poderia mesmo ser de outro modo, uma vez que ambas (poesia e prosa) compõem o mistério da criação. E não há nada que me seduza mais do que isso.

Outra coisa que me seduz são algumas das certezas que trago na vida. Elas permanecem firmes, a despeito das impossibilidades, das distâncias, das dificuldades que o mundo possa impor para que elas, minhas certezas, se concretizem de fato. Uma delas é o meu encontro com o poeta Eucanaã Ferraz. Não sei quando vai ser, mas vai. E aí está o mistério novamente. Sempre ele.

Em tempo: descobri esse vídeo no ótimo blog 25 linhas em branco, da Janaína Pietroluongo. Obrigada por compartilhar, Janaína. E por me oferecer essa espécie rara de tijolo, que só consolida a casa de uma das minhas certezas.

quinta-feira, março 11, 2010

Neogeografia




A fenda que existe no vão do teu peito
é caminho estreito
(e abismo sem fim).
Céu e mar aberto.
Planície,
deserto.
Quintal e universo.
O roteiro certo
na busca por mim.

Goimar Dantas
São Paulo,
07-03-2010

sexta-feira, março 05, 2010

O homem que engarrafava nuvens



Eu p-r-e-c-i-s-o ver esse documentário sobre o compositor Humberto Teixeira. Muito, muito, muito.

quarta-feira, março 03, 2010

Chimamanda Adichie - e outras histórias



Pode ser que eu não tenha tempo para ler jornal, revista, livros. Pode ser que eu não saiba mais de nada. Pode ser que eu não me lembre de quem sou. Pode ainda ser tudo, pode também ser só um pouco. Pode ser dia, pode ser madrugada. Não importa o que pode ser. O fato é que, cotidianamente, eu driblo a correnteza dos afazeres e navego no mar da Lisboa que não fica em Portugal. Trata-se de outra Lisboa: ela, a escritora. A que eu leio nos livros e também aqui, no universo virtual, onde sempre encontro preciosidades. E uma das pérolas achadas esta semana foi esse vídeo incrível trazendo como protagonista essa mulher tão negra e tão linda como uma noite promissora.

Uma mulher cuja voz firme e, ao mesmo tempo, doce, me lembrou tudo o que já li sobre o canto das sereias. Eu me deixei levar por ela e aconselho você a fazer o mesmo. O nome da sereia-escritora-nigeriana mais parece um chiado. Um sussurro. Uma melodia (prosseguimos, como se vê, no universo mítico dos seres que são metade mulher, metade peixe). É Chimamanda Adichie. Ela nos fala, com incontestável conhecimento de causa, sobre o perigo de contar sempre as mesmas histórias e também de acreditar nelas. Clique em "view subtitles" para escolher o idioma das legendas. E faça, você também, uma ótima viagem.