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terça-feira, junho 21, 2011

Menina nonagenária



Dona Lourdes, vó do maridão, é uma menina de 90 anos: levada, ágil, marota e maliciosa. Vez ou outra, puxa a gente pela manga para nos contar, em sussurro, bem ao pé do ouvido, um disse-me-disse qualquer. Sá Lourdes, como é conhecida, gosta de dormir até meio-dia, como um bom adolescente. Sempre que assiste novela, discute ardorosamente com os personagens, como se esses pudessem, de fato, escutar suas reclamações. Não raro, discorda do roteiro, do texto, dos temas e dramas criados pelos autores. Nessas horas, põe o dedo em riste e, em meio ao chiste e ao caipirês fluente, passa um sabão na mocinha da trama, soltando pérolas assim:

“- Ôooo, ma qui muié burra!!!! Não vê qu’ele tá traindo ocê?! Ma é tonta demais da conta!”. E meneia a cabeça, consternada com a atitude xexelenta da protagonista do folhetim.

Aos 89, voltou a fumar porque... Bem... Com essa idade, não vê mais necessidade de se privar dos vícios. Sá Lourdes teve uma penca de filhos, netos e bisnetos. O marido era por demais chegado na “marvada” e, por conta disso, coube a ela sustentar a filharada no cabo da enxada, na lida diária dos cafezais do Sul de Minas Gerais.

No último domingo, na pequena cidade de Artur Nogueira, interior de São Paulo, onde hoje mora com a família, Sá Lourdes estava altiva e radiante ao som de duplas caipiras e conjuntos musicais que têm no forró seu estilo predominante. A festança comemorava os 90 anos da matriarca. E na hora do arrasta-pé, como era de se esperar, Sá Lourdes deu um baile em muita gente. Na entrada da festa, recebia os amigos e parentes com um abraço apertado, sorriso largo e curiosidade indisfarçável pra saber qual era o presente trazido pelo convidado.

Ah, Sá Lourdes... Se todos os personagens fossem iguais a você, que maravilha viver!



Ps: antes tarde do que nunca, estou atualizando o post com essa nova foto da hora do bolo, reunindo Sá Lourdes, alguns de seus netos e uma bisneta (clique pra ver ampliada). Tudo pra Sá Lourdes ficar mais feliz. Explico: é que ela detestou a foto em preto e branco. E não custa eu tentar me redimir, não é?

quarta-feira, novembro 05, 2008

Irresistível




Não resisti. Acho que é a primeira vez que faço qualquer menção à política nesse blog. O fato é que a eleição de Barack Obama tomou proporções inimagináveis em todo o mundo. Milhões de pessoas nos cinco continentes estão emocionadas e esperançosas. Sedentas por renovação e mudança. Na verdade, só o futuro e a História dirão se Barack Obama realmente será um bom presidente. A situação está péssima e ele terá um trabalho hercúleo se quiser fazer ao menos um terço de tudo o que esperam dele... Ficarei torcendo para que consiga, claro. Por isso mesmo, adorei esse vídeo que pesquei lá no blog Síndrome de estocolmo. Ele nos mostra pelo menos uma coisa: Obama tem suingue, ginga, jogo de cintura... Quem sabe...

quarta-feira, outubro 15, 2008

À minha Sherazade, com carinho





Aos 10 anos de idade, uma de minhas redações foi selecionada como a melhor da classe. Nessa ocasião, minha professora Thaís achou por bem gastar uns cinco minutos de sua vida tecendo elogios sobre minha capacidade de contar histórias.

Eu não cabia em mim de felicidade... E jamais vou esquecer a sensação de ver meu texto sendo reproduzido na lousa por uma de minhas amiguinhas (a que tinha a letra mais bonita), de modo que todos pudessem copiar a tal história.

Thaís foi a professora mais doce e também a mais interessada em nos fazer amantes dos livros para sempre. Todos os dias, pedia pra gente guardar o material 15 minutos antes de bater o sinal e se dirigia para porta da classe. Encostava-se ali numa atitude relaxada, abria um livro e nos contava uma história. Simples assim.

Era um momento mágico para todos nós. Grudávamos os olhos nela para melhor absorver seus gestos e reações enquanto narrava fábulas e lendas... Segura de seu método, minha Sherazade tinha sempre a inflexão de voz perfeita para cada personagem e situação descrita nas páginas à sua frente.

Aquelas foram as minhas primeiras viagens literárias uma vez que, por motivos vários, o hábito da leitura não existia em minha casa. Conduzida pela voz de Thaís, visitei florestas encantadas, habitats de fadas, bruxas, gnomos... Fui ao Egito e também ao Oriente Médio. Usei jangadas, trens, estradas, balões. Thaís era assim, não medida esforços para nos mostrar um mundo que transcendia os muros da Escola Estadual de Primeiro Grau Jayme João Olcese, em Cubatão.

Lembro perfeitamente de seu rosto, de seus cabelos cacheados, seu sorriso, seu modo de se vestir. Adorava quando ela vinha de macacão jeans. Combinava perfeitamente com seu estilo pouco formal. Impossível também é esquecer seus olhos grandes e castanhos nos fitando sempre com tanta atenção...

Infelizmente, a vida fez com que eu perdesse de vista a minha professora Thaís. E, provavelmente, ela nem desconfia que ao escolher minha redação e elogiar meus dotes de “contadora de histórias” de modo tão especial, acabou definindo meu destino para sempre... Naquele momento eu soube que passaria a vida escrevendo. Afinal – pensava eu – tudo o que queria era sentir aquela felicidade de novo. A felicidade de se fazer o que ama e, ainda por cima, tocar o coração das pessoas com isso.

Thaís foi a primeira a me apontar o caminho. E sempre terá lugar cativo na minha memória e no meu coração. Neste Dia dos Professores, tudo o que queria era poder dizer isso a ela...


quarta-feira, setembro 10, 2008

O coração de tio Arnaldo



Dia desses tio Arnaldo nos deu um baita susto. Seu coração boêmio e aventureiro resolveu pregar-lhe uma peça e andou falhando de maneira verdadeiramente preocupante. Ficamos todos desesperados, mas, talvez, esse tenha sido o único jeito que o velho músculo cansado encontrou para ralhar com o dono. Na certa, o pobre coração decidiu radicalizar na esperança de que meu querido tio diminua um pouco o ritmo de tantas festas, forrós e cantorias madrugada adentro – sem falar nas caçadas intermináveis que exigem, às vezes, três a quatro noites inteiras ao relento, na caatinga, espreitando bichos.

Vai ver seu coração já não consegue mais administrar os 10 dias de festejos que rendem homenagens a São Sebastião, nas comemorações que se repetem a cada mês de janeiro, no pequeno município de Japi, no Rio Grande do Norte. Da mesma forma, seu coração já não deve mais tolerar tanto barulho de fogos de artifício – que ele insiste em soltar nessas ocasiões festivas.

Talvez, ainda, seu coração não seja tão corajoso quanto seu proprietário, que prossegue guiando sua moto a despeito do trânsito cada vez mais maluco daquela pequena cidade do sertão. Um município onde há centenas de motociclistas, muitos deles com 14, 13, 12 anos... Todos disputando espaço pelas mesmas ruas desprovidas de regras de tráfego. Tio Arnaldo simplesmente ignora esses problemas e segue altivo, conduzindo sua moto devagar, como se perseguisse um vento que nunca vem...

É provável que esse mesmo coração esteja solicitando a Tio Arnaldo um tiquinho mais de descanso nos dias de Carnaval, quando seu portador, seguindo a tradição familiar, se veste de Papa-Angu – personagem folclórico do sertão – para fazer a alegria da molecada da praça central. Não poderia ser diferente uma vez que tio Arnaldo é herdeiro genuíno do meu velho avô Pedro Horácio. Padeiro, eletricista e faz-tudo que, nas horas vagas, também se dedicava a forrós, motos, caçadas, festas e carnavais.

Após a chegada de meu avô ao céu, coube a tio Arnaldo assumir, amorosamente, os cuidados com vó Maria. E todos os dias, pouco depois das cinco da manhã, logo aos primeiros raios de sol, ele entra pela sala estendo a mão e dizendo “- A bênção, mamãe!”, sempre com aquela voz calorosa e inconfundível. Apesar de detestar acordar cedo, juro que nunca me importei de despertar com a voz dele quando me hospedo em minha avó. Ao contrário: acordo feliz porque sei que ele está por perto. E a paz dessa revelação é suficiente para me fazer dormir de novo até 8h, quando ele chega para a segunda visita do dia, normalmente trazendo alguma encomenda solicitada por vovó. À tarde e à noite, ele volta novamente só pra conferir se está tudo em ordem.

Tio Arnaldo é mesmo assim: a prestatividade em pessoa. Quando vamos ao sertão, faz questão de ir até o Aeroporto de Natal nos receber com abraços e lágrimas que derrama amiúde, dando um banho de ternura em nossas chegadas e partidas.

Ainda me lembro da época em que ele deixou o sertão por uns tempos e veio ao Sul Maravilha para trabalhar. Eu tinha cinco anos e achava o máximo ficar na sala com ele, assistindo episódios da S.w.a.t no pequeno e velho aparelho de televisão.

É ele quem resolve tudo pra gente quando vamos a passeio para o sertão. Nos leva para fazer compras, aluga carros, dirige ou serve de guia aos motoristas que nos transportam até a Serra do Bom Bocadinho, nos rincões da Paraíba. Um local de acesso dificílimo... Tudo para que possamos ver minha avó paterna, dona Luzia. Quantas vezes ele mesmo nos levou com seu carro, correndo o risco de danificar seu automóvel de maneira irreversível... E era só pegar a estrada para que ele começasse a apontar cada casa do caminho, fazendo referências aos moradores e às festas que ele e meu pai costumavam freqüentar nessa mesma região, na época da juventude...

“- Olha, Gói, dancei muito forró ali naquele sítio!”, diz ele.
Ou então: “-Olha, Gói, atravessei aquela serra com teu pai, de bicicleta!”, afirma, sem disfarçar o orgulho pela proeza.

Tio Arnaldo é, no fundo, um sentimental incorrigível. Certa vez foi se despedir da gente e, sem que soubéssemos, manteve um gravador pequeno ligado em seu bolso, de modo que pudesse registrar nossas últimas conversas, palavras, emoções...

Nunca esquecerei do dia em que ele me contou sobre sua emoção ao acordar no meio da noite ouvindo os pingos da chuva. Líquido abençoado que chegava após um longo período de seca. Ele e tia Régia não pensaram duas vezes: correram para a janela e choraram emocionados vendo a chuva molhar a terra... Posso viver cem anos, mas nunca vou perder a magia dessa imagem que sequer presenciei, mas que viverá em mim para sempre.

A bem da verdade, penso que meu tio vem de uma linhagem em que a alma é muito mais poderosa do que qualquer corpo pode realmente agüentar. Mas tio Arnaldo ama demais a vida e, por isso mesmo, resolveu obedecer às ordens médicas, diminuindo o ritmo para que possa nos conceder a honra de sua presença ainda por muito tempo.

E que assim seja... Amém!


No vídeo abaixo, é possível ter uma palhinha de tio Arnaldo ao violão, alegrando a noite de Natal, em 2004, na casa de vó Maria.

quinta-feira, setembro 04, 2008

O último romântico

Hoje sei que “O último romântico” não é Lulu Santos. O título deveria ser dado, na minha opinião, a Waldick Soriano, que, a partir de agora, se apresentará em outras paradas. Waldick deu adeus a essa terra de raves, bate estacas de músicas eletrônicas e axés. De certo também não estava mais suportando o fato de as pessoas recusarem o “brega” nacional em detrimento do “brega” importado, repleto de melodias estilo “dor de corno” entoadas na língua do Tio Sam. Ninguém entende nada do que está sendo dito, mas pouco importa. O que vale parece ser a melodia, que catapulta a breguice norte-americana aos primeiros lugares nas paradas de sucesso. Pobre Waldick... Quem mandou querer sofrer em português?

Não fosse Patrícia Pillar ter feito o documentário Waldick – Sempre no meu coração (2007), o ícone baiano da paixão arrasa quarteirão teria morrido ainda mais esquecido. Tinha fãs, é claro, mas nada próximo do que já tivera em tempos mais rodrigueanos. A verdade é que, atualmente, confessar que se está sofrendo por amor é uma espécie de mico-leão-dourado. Algo em completa extinção, totalmente fora de cogitação. Ok, as pessoas ainda sofrem, mas é coisa rápida. Rapidíssima. Nada que um Carnaval em Salvador ou um final de semana na praia, com os amigos, não cure, não resolva, não enterre. E, mesmo assim, quem ainda ousa chorar mordendo o travesseiro – mesmo que apenas por pouquíssimos dias – não é doido de divulgar. Pega mal. Muito mal.

Em tempos de competição acirrada no mercado de trabalho, não há espaço na agenda para essas amenidades do coração. Com meta pra bater todo dia, quem ousará ficar com a cabeça na lua, pensando no ser amado? Quem ousará mandar flores? Quem ainda é doido de telefonar três vezes ao dia só para ouvir a voz do outro? Depois dos 25, o mercado mata qualquer amor antes de duas semanas. A pessoa até se apaixona, mas... Ao perceber que está perdendo o bônus de produtividade para o colega ao lado trata logo de recuperar o foco e a concentração e aí... Bem, adeus, romantismo.

Já os adolescentes, que ainda não têm o mercado no seu encalço, arranjaram outras metas pra bater. Ser traído, trocado ou rejeitado não pode ser mais um problema porque, afinal de contas, a tal da “fila tem de andar”... Gente... Que chance teria a alma de “tango argentino” de Soriano num país – ou seria num mundo? – onde as pessoas não se prestam à dignidade de sofrer por amor nem dois dias? Nenhuma, certamente. Por tudo isso, ninguém tira da minha cabeça que Nelson Rodrigues, autor da célebre frase “Amar é ser fiel a que nos trai” irá recepcionar Waldick hoje, no céu dos últimos românticos...

Waldick era também um clássico do estilo. Aquelas roupas, aqueles óculos tipo besouro (que ele usava muito antes de todo mundo achar “in”), o chapéu preto, o ar blasé... Aquela figura sempre me intrigou, desde criança. Conheci Waldick muito cedo. Meu pai adorava o cantor e, quando tomava umas e outras, chegava em casa trocando os passos, mas com habilidade suficiente para lançar um olhar meloso para minha mãe, colocar o disco do Waldick na velha vitrola e aumentar o volume até o talo, estourando os tímpanos de toda a vizinhança. Aos oito anos de idade, eu morria de vergonha. Ainda não sabia o que era sofrer por amor... Poucos anos depois, aos 14, quando já vivia uma daquelas paixões avassaladoras, era eu quem tratava de estourar os tímpanos da vizinhança, só que com outro disco: “O último romântico”, de Lulu Santos.

E como falar de Waldick sem trilha sonora é heresia, deixo aqui uma mostra irrefutável da breguice deliciosa - e exageradíssima - que tanto caracterizava o senhor Soriano.



Waldick Soriano e Falcao - Eu nao sou cachorro nao