Roberta Sá já marcou presença neste blog, é verdade, mas nunca é demais parar um poquinho para ouvir sua voz privilegiada novamente e conferir sua presença quase etérea no palco. Uma leveza diferente justamente por conseguir ser tão marcante. Seus gestos precisos - quase minimalistas! - são suficientes para cativar corações e mentes. Vê-la e ouvi-la é sempre um prazer e um convite à poesia mais enxuta, sintética e grandiosa. Neste vídeo, por exemplo, composto por duas músicas que eu adoro, ela domina o palco pequenino do programa Ensaio, da TV Cultura, comandado há anos pelo diretor Fernando Faro. Um mestre na arte de também fazer do mínimo, o máximo.
Considero essa participação da Roberta Sá no Ensaio um exercício perfeito de elegância, acentuado pelos enquadramentos certeiros, pela luz intimista e pela linda edição do programa.
É como eu disse no título daquele primeiro post que inseri contendo um outro vídeo da Roberta Sá: "Ela tinha que ser potiguar".
Escrever uma autobiografia antes dos 50 anos é um feito considerável. Raras são as pessoas com potencial e, principalmente, histórias de peso para justificar uma aventura dessa envergadura... Contar as tramas do enredo da própria vida, expondo detalhes muitas vezes dolorosos, equívocos, culpas e medos exige doses cavalares de coragem. E é justamente a junção de tudo isso – potencial, histórias de peso e coragem – que compõe a personalidade de Ayaan Hirsi Ali, uma das mulheres mais importantes do mundo contemporâneo, autora da biografia Infiel – A história de uma mulher que desafiou o Islã, publicada em 2007, pela Companhia das Letras, em tradução de Luiz A. de Araújo.
No livro de 496 páginas, Ayaan expõe as barbaridades sofridas, cotidianamente, por milhares de mulheres islâmicas, sempre em nome da religião criada por Maomé. Nascida em Mogadíscio, capital da Somália, em 1969, Ayaan vivenciou a dor de ter o clitóris extirpado, aos cinco anos de idade – tradição comum a diversas tribos somalianas que professam a crença maometana. Mais tarde, na adolescência, a autora sofreu traumatismo craniano quando foi violentamente empurrada, contra a parede, pelo seu professor de Alcorão. Tudo porque ousou questionar seus métodos arcaicos de ensino.
Em 1992, Ayaan fugiu do país. Única maneira de escapar ao casamento imposto por sua família. Exilou-se na Holanda, onde trabalhou em fábricas e, após aprender o idioma, estabeleceu-se como tradutora da ONU. Com sede insaciável por conhecimento, enfrentou numerosas dificuldades, mas conseguiu seu objetivo de cursar, naquele país, uma das universidades de maior prestígio. Após 10 anos na Holanda, terminou sendo eleita deputada, tomando posse em janeiro de 2003.
Para além do trabalho no parlamento, escreveu o roteiro do curta-metragem Submission, contendo duras críticas à situação das mulheres islâmicas. A polêmica em torno do filme rendeu à Ayaan inúmeros dramas pessoais, dentre eles, a morte do diretor Theo Van Gogh, brutalmente assassinado por radicais islâmicos, numa rua de Amsterdã. No peito do cineasta, a polícia encontrou, presa a uma faca, uma carta endereçada à Ayaan. Ameaçada de morte, foi obrigada a abandonar a Europa e vive atualmente nos EUA. Em 2005, foi eleita pela revista Time como uma das cem pessoas mais influentes do mundo.
Recomendar a leitura de Infiel é o mínimo que se pode fazer. Trata-se de uma obra de peso capaz de mesclar questões importantíssimas da época em que vivemos. A situação da mulher no mundo islâmico, os conflitos entre Oriente e Ocidente, religiosidade, ateísmo, guerras, violência, crueldade e superação de limites estão presentes nesta biografia que se confunde, positivamente, com um livro de história. Um relato verdadeiramente impressionante.
O You Tube disponibiliza o vídeo Submission, com cerca de 10 minutos de duração, em inglês. Também é possível encontrar na rede, no mesmo idioma, várias entrevistas concedidas por Ayaan. Para postar aqui, tentei encontrar uma entrevista que ela concedeu ao jornalista Lucas Mendes, ano passado, para a Globonews, com legendas em português, mas não obtive sucesso... Por isso, vai em inglês mesmo...
Eu estava nervosa, tensa. Já não era sem tempo de a gente se encontrar de novo. Logo que cheguei, senti seu perfume inigualável e só então percebi o tamanho da minha saudade. Depois de um primeiro abraço, suave, etéreo, ele deu início ao ritual. Começou pelos meus pés – um dos meus pontos fracos... Imediatamente, meu corpo estremeceu e um arrepio percorreu todos os meus poros. Foi um lance certeiro, típico de quem tem muita experiência na arte de seduzir.
Entreguei os pontos de forma evidente e ele aproveitou a situação para seguir atacando. Com uma habilidade indescritível, foi subindo pelas minhas pernas, devagar e sempre. Tinha um jeito único de roçar minhas panturrilhas, molhando-as num beijo de sal, som e fúria: ia e voltava... Ia e voltava, abusando de movimentos precisos.
Mas eu queria mais. Ele percebeu e se jogou na direção dos meus joelhos, dando prosseguimento a sua volúpia obsessiva de avanços e recuos. A estratégia era perfeita. Só me restou perder a cabeça e, num impulso, fui adiante oferecendo-lhe minhas coxas, meu sexo, meu ventre... Os quais ele recebeu com voracidade, como eu bem queria. Num ímpeto de ousadia, fui além e deixei que ele chegasse até o meu pescoço – campo minado onde habita grande parte do meu desejo, prestes a explodir.
E realmente, por alguns instantes, fomos os dois pelos ares. Explosão de alegria por estarmos juntos, uma vez mais. Ao voltar ao chão, fechei os olhos e abri os braços para recebê-lo – certa de que ele ainda não estava saciado. Dito e feito. Em poucos segundos, lá estava ele sobre mim. Onda forte lançando jatos de espuma salgada que me banharam por inteira. Só depois, pude voltar à areia. Minha energia regressara plena e revigorada.
Tenho uma relação de absoluta reverência para com o mar. Assim como a chuva, ele é uma das minhas maiores fontes de inspiração. Devo muitos de meus poemas a ele que é, por sua vez, uma das metáforas que mais utilizo quando quero falar de amor. Nesse sentido, acho que estou ficando cada vez mais próxima dos portugueses... Um povo cujo amor pelo mar é completamente presente em sua arte poética, literária e musical. A nostalgia, a melancolia, o fado e a saudade são alguns dos portais que estabelecem conexões preciosas entre os artistas portugueses e o mar. Que o digam Fernando Pessoa, Camões, Sophia de Mello Breyner...
Então, depois de escrever o poema Amor de Perdição, logo abaixo, só me restou escolher esse vídeo da Dulce Pontes para ilustrá-lo. Afinal, a força da música, das imagens e da letra compõe um quadro positivamente avassalador -como deve ser todo Amor de perdição.
(Título com a licença poética devidamente solicitada, em oração, ao espírito do senhor Camilo Castelo Branco).
Miro seus olhos de gaivota no momento do ataque. Sou caça consentida, me entrego. Peixe pequeno, mas capaz de revelar a maré cheia. Deságuo. Ondas salgadas inundam sua superfície. Mas meu desejo é infinito e quero, uma vez mais, zarpar. Então, volto a mergulhar nas profundezas do seu olhar. Pupilas-estrelas que me desorientam. Estou perdida. Nunca mais acharão meu corpo. Sereia submersa na imensidão desse mar (de vontade).
A intertextualidade é uma bênção. O cruzamento de signos, o complemento de idéias, a harmonia, os arranjos, a letra em total cumplicidade com outros textos, poemas, dizeres... Milagre, osmose...
(O poema já tem uns 15 anos. Mas é perfeito para o dia de hoje. Vai para todas nós – descendentes da costela de Barbarella).
Lutando de arma na mão, defendendo a pátria e o seu chão ou assumindo a chefia das grandes companhias. Líder nata... Preocupada! Mãe, amiga, namorada... Companheira de jornada. Forte. Do Norte. Do Sul. Um céu azul... De Cachoeiro do Itapemirim. Tintin por tintim. Silenciosa. Tagarela. Espécie de Barbarella. Moderna. Antiquada. Usa capas e espadas na cinturinha delgada. Princesa indelicada... Virgenzinha ou desgarrada. Solteira, viúva, casada. Linda. Desarrumada. Portando um longo ou sem nada... No fim... Só importa: o desejo de ser amada. Goimar Dantas (1993)
(Este é meu primeiro poema, escrito aos 13 anos, em homenagem a um amigo de 17, que havia perdido a vida em um acidente de moto, na noite anterior. Seu nome era Cláudio. E tinha dois universos azuis no lugar dos olhos).
Amigo meu... Partida triste. Existirás pra sempre no meu coração. Saudade existe, ilusão persiste. Tento entender a morte, mas isto é em vão... Perdeste a vida sobre duas rodas, vindo de festas que a noite possui. E a minha vida é esperança agora de poder rever o teu sorriso em luz. E que os teus olhos sejam sempre azuis. Iluminando a eternidade agora...
A literatura contemporânea no Brasil traz algumas boas promessas. Muita gente tem aparecido nos últimos anos e já começa a se firmar no patamar dos novos autores nacionais. Gosto de pensar que temos jovens que se destacam não só por seu texto, mas pela vontade de tornar a seara das letras mais acessível à população. Muitos assumem o papel de agitadores culturais, organizando debates e eventos de forma incansável, o que é sempre positivo.
É difícil eleger os preferidos quando o caldeirão apenas começa a fervilhar, mas arrisco dizer que dentre os “meninos” meu voto vai para Ricardo Lísias, com o seu ótimo Anna O. e outras novelas, Editora Globo. Já garanti o meu exemplar autografado, claro. O moço é muito tímido, mas nada que algumas taças de vinho não resolvessem no dia em que fui vê-lo falar – coisa rara de acontecer, já que Lísias se confessou um tanto avesso às badalações literárias. Fazia muito tempo que eu não via alguém ficar tão vermelho a cada dois minutos. Mas o que verdadeiramente importa é a completa ausência de timidez no texto do rapaz. Achei a novela O capuz especialmente arrebatadora, maravilhosa... Embora também tenha considerado Anna O. sensacional. Não é à toa que a respeitada acadêmica Leyla Perrone-Moisés incensa o “menino” até não poder mais no posfácio da obra.
Agora, entre as “meninas”, penso que não há nada que se compare à vigorosa prosa poética de Adriana Lisboa. A cada novo livro ela nos presenteia com textos lindíssimos justamente porque oferecem às palavras o tratamento que elas, literalmente, merecem. Sua publicação mais recente, Rakushisha, Editora Rocco, é um deslumbre e um exemplo disso. Uma ode à sensibilidade. Adriana escolheu o Japão como pano de fundo da história de Haruki e Celina, cujas vidas se cruzam de forma definitiva em um vagão de metrô do Rio de Janeiro. Ilustrador e descendente de japoneses, Haruki decide ir ao País do Sol Nascente na tentativa de empreender uma busca às suas origens, ao seu “eu” mais ancestral. A desculpa é estudar melhor a obra do poeta nipônico Matsuo Bashô, uma vez que Haruki é escolhido para ilustrar a edição brasileira da obra Saga Nikki, traduzida como o Diário da Saga – escrita por Bashô nos arredores de Kyoto, mais precisamente num lugar chamado Rakushisha – a cabana dos caquis caídos.
Em meio a tudo isso, a misteriosa artesã Celina parece não ter mesmo nada a perder no Rio e acaba partindo com Haruki para o Japão. Nas mãos habilidosas dos dois personagens desenhos e tecidos dão vida aos seus pensamentos, à beleza e também à tristeza que trazem na alma... Uma trama na qual o leitor envereda com suavidade e submissão orientais.
Adriana opta por uma estrutura de texto diferenciada que lembra um diário, mesmo abrindo mão de um fio narrativo linear. Ganha o leitor uma vez que o vaivém das histórias empresta um suspense delicioso a essa trama que obedece a um fluxo de pensamento muito peculiar. Uma viagem em todos os sentidos, sempre conduzida pela poesia das lembranças, memórias, sentimentos, desejos, traumas e confusões das personagens.
Eu poderia ter lido Rakushisha em algumas horas, mas demorei dias para fazê-lo. Quis sorver cada parágrafo devagar e não raro relia os mesmos trechos três, quatro vezes, tamanha a atração avassaladora que as palavras de Adriana exerciam sobre mim.
Ganhei o livro no meu aniversário. E não poderia haver presente melhor.
Seus olhos. Extensão de águas profundas. Castanhas. Cristalinas. Sem medo, vou até a margem e miro essa imensidão límpida. ... Não penso duas vezes: salto de braços abertos! Mas ao chegar ao fundo percebo que não era um rio, nem lago, nem poço... É um portal: janela para a sua alma! À minha frente vejo linda varanda (com vista privilegiada para o seu horizonte).
Desde então, é lá que passo, feliz, os meus dias... E o preço dessa estadia? Tem sido dedicar a vida a escrever poesia.
A genialidade de Ariano Suassuna sempre me surpreende. Sua obra, seu amor inquestionável pelo país, a defesa veemente do que temos de mais artístico e genuíno, a reserva - muito sensata - às impossições da cultura de massa -, a criação do Movimento Armorial (que culminou - Deus seja louvado! - com a descoberta de outro gênio de nome Antônio Nóbrega)... Por tudo isso, apesar da pompa e cirscuntância com que foi tratado por conta dos seus 80 anos, completados em 2007, ainda o considero um artista pouco reconhecido, discutido, reverenciado.
E não bastasse a produção incrível de Ariano, o autor do extraordinário Auto da Compadecida ainda nos concede o privilégio de desfrutar de seu bom-humor, de sua capacidade de encantar o público fazendo graça e contando histórias. Esse vídeo é só um exemplo disso. Lembro de que quando assisti uma de suas chamadas "aulas-espetáculo", aqui em São Paulo, ri tanto que saí com as bochechas e com o maxilar doloridos... Não estou exagerando. Ele é uma graça. Quanto mais eu leio, estudo e assisto suas estrevistas mais me convenço de que ainda é pouco.
A vocês, um pouco da crítica pertinente e, muito engraçada, do mestre Suassuna!
Eles dirão por mim:
Jose Ortega Y Gasset: "Eu sou eu e minhas circunstâncias".
João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas: "Moça de carinha redonda, entre compridos cabelos... E o que mais foi, foi um sorriso."
Machado de Assis, em Dom Casmurro: "Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada".
Vladimir Nabokov, em Lolita: "Lolita, luz da minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta."
Walt Whitman, em Full of life now: "Estás lendo-me. Agora o invisível sou eu,/Agora és tu, compacto, visível, quem intui meus versos e me procura/pensando em como seria feliz se eu pudesse ser teu companheiro./Sê feliz como se eu estivesse contigo. (Não tenhas muita certeza de que não estou contigo)."
Octavio Paz, em Amor e Erotismo - A dupla chama: "Para mim, a poesia e o pensamento são um sistema único. A fonte de ambos é a vida: escrevo sobre o que vivi e vivo. Viver também é pensar e, às vezes, atravessar essa fronteira na qual sentir e pensar se fundem: isso é poesia".