segunda-feira, dezembro 31, 2007

Canção para Ilhabela



A Ilha é a mística terra
A Ilha é a rainha do Mar
A Ilha é o sumo e o néctar
A Ilha é a nascente solar
A Ilha é da cor do poente
A Ilha é a estrela e o luar
A Ilha é o pecado latente
Na pele das moças de lá

A Ilha é o navio zarpando
(a alma do bom pescador)
A Ilha é o barco ancorando
A Ilha é cenário de amor
A Ilha é a flor e a semente
A Ilha é um caso indecente
que a gente não quer esquecer...

A Ilha é Paixão, Carnaval
A Ilha é Quaresma e São João
A Ilha é uma linda oração
(um rito pra não se passar)
A Ilha é as quatro estações
A Ilha é romance sem fim
A Ilha é um ciclo completo
A Ilha é o que está em mim

A Ilha é silêncio e tumulto
A Ilha é o verde brotando
A Ilha é naufrágio e piratas,
Corsários, bandeiras, fragatas
A Ilha é um poço de histórias
A Ilha é a trilha, é a lama
A Ilha é roteiro sem drama
A Ilha é um só festejar

A Ilha é o refúgio do artista
A Ilha é poesia, é canção
A Ilha é o texto e a tela
O sal da minha criação
A Ilha é o tema e verso
Roteiro, jornada, trajeto
A Ilha é todo o universo
Um templo pro meu bem-querer

A Ilha é o meu paraíso
A Ilha é tudo o que preciso
Futuro a me acalentar
A Ilha é o Norte apontando
Desenho que eu vou esboçando
A Ilha é meu porto, meu lar...
A Ilha é, assim, um tesouro
Um beijo molhado e roubado
Que espero, ainda, ganhar.


Goimar Dantas
IlhaBela, Litoral Norte de São Paulo
Em 15-11-07

segunda-feira, dezembro 24, 2007

O cão anda à luz




Os verdes dos olhos de lobo
O verde por trás da lembrança
Planície distante da infância
Afeto eterno a me saudar

E quando lembro o seu carinho
A sua alegria em nos ver!
Pergunto a mim mesma (e ao destino)
Por onde fomos nos perder?

Veloz, corria como vento
E era valente e bonito
A fera de jeito bendito
Guardando, atento, o nosso lar...

Mas ao morrer seu jovem dono,
(Meu pai e nobre cavaleiro)
Partiu, também, seu escudeiro
Quem sabe no rastro da luz...

Quem sabe na busca do anjo...
Quem sabe na curva das horas
Os dois caminhando em silêncio...
Os dois brincando à beira-mar.

Quem sabe o pai esteja lendo
E o nosso cãozinho, correndo
À sua volta, sem parar...
Quem sabe surjam nos meus sonhos
Ou mesmo num texto tristonho
Que eu escreva ao invés de chorar

Pra desabafar neste tempo
Distante daquele outro Tempo
Que insiste em nunca mais voltar...

(Para o meu primeiro e único cãozinho, Freeway - que eu pensava dividir com minha irmã... Mas que, na verdade, sempre pertenceu ao meu pai... Aqui vai a minha saudade e a minha homenagem tardia mas, sincera, nessa véspera de Natal, 22 anos depois).

Goimar Dantas
Santa Rita do Sapucaí
Sul de Minas Gerais
Em 24-12-07

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Yin e Yang



Todo mundo é luz e sombra
Todo mundo é paz e guerra
Todo mundo é frio de Inverno
E apogeu da Primavera
Todo mundo é o silêncio
Todo mundo é gritaria
Todo mundo é meia-noite
Todo mundo é meio-dia
Todo mundo é o princípio
Todo mundo é o final
Todo mundo é brincadeira
Todo mundo é ritual
Todo mundo é obra-prima
E todo mundo é esboço
Todo mundo é a vitória
Todo mundo é fim do poço
Todo mundo é água limpa
E todo mundo é a lama
E todo mundo é a cinza
E todo mundo é a chama
Todo mundo é bem-vindo
Todo mundo é desprezado
Todo mundo é meio Deus
Todo mundo é o diabo!
Todo mundo é mundo inteiro
Todo mundo é o seu quintal
Todo mundo é a cigarra
(em tempo de Carnaval)
Todo mundo é a formiga
(protegendo o seu quinhão)
Todo mundo é a enxurrada
Todo mundo é o Sertão
Todo mundo é castidade
Todo mundo é tentação
Todo mundo é lua plena
Todo mundo é insolação
Nós somos mata cerrada
Nós somos devastação...

E nessa mata somos índio
E um bando de português
Todo mundo aqui é negro
Todo mundo é holandês
Todo mundo é salvação
Todo mundo é sua cruz
Todo mundo é passageiro
E todo mundo conduz

Todo mundo é Zona Norte
Todo mundo é Zona Sul
Todo mundo é mar aberto
Todo mundo é céu azul
Todo mundo está vestido
E todo mundo está nu
Todo mundo é a tristeza
Todo mundo é alegria
Todo mundo é solidão
Todo mundo é companhia

E todo mundo é pedra bruta
Todo mundo é lapidado
Todo mundo é jóia rara
À espera do ser amado

Somos zés
Somos marias
Somos anjos
Somos maus
Somos aquilo que somos
Somos paixão visceral
Somos gente
Somos sina
Somos bomba de Hiroshima
Somos a cura do câncer
Somos a febre terçã
Somos hoje
Somos ontem
Somos também amanhã!

E aqui encerro essa toada
Bem na curva da mudança
Nessa fronteira do agora
Nesse mundo sem distância
No vértice do poema
No passo da contradança
No flerte com o novo dia
Na tradução da esperança!


Goimar Dantas
Ilhabela
Litoral Norte de São Paulo
18/11/07

domingo, dezembro 16, 2007

Batida para os beatniks


(Dedicada a Jack Kerouac, Sal Paradise, Dean Moriarty e Old Bull Lee)

Eu quero o que não descortinas
Desejo o que trazes na alma
Silêncio ou infinitas palavras
Tormentos, vazios, verões
A ausência em que te reconheces
As dores e o imenso prazer
A sorte, a esperança perdida
Os sonhos que ninguém mais vê...
Vergonhas reclusas no tempo
Pavores, insônias, injúrias
Temores e os beijos roubados
(na esquina de uma antiga rua...)

Eu quero o teu frio na barriga
E aquela intensa sensação
Da ardência do tapa na cara
Fervores de tua oração
Eu quero o teu corpo caído
Depois do tropeço no chão
E após um afago carinhoso
Oferecer-te a minha mão

Eu posso ser a água benta
Pra tua sede de vingança
Eu quero ser o anjo gouché,
Que ainda te traz esperança
De ti não quero só metade...
Eu quero o teu bem e teu mal
Até porque não se admite
Um mar existindo sem Sal

Só me interessa a intensidade
Presente em ritos de passagem
Só me comove a poesia
Que chega sem fazer alarde
E tudo em você é lirismo
E tudo em você é saudade
Amor e guerra e epopéia
Desejo, volúpia, vontade

No peito essa bala perdida
E a flecha que traz o teu nome
Um fogo cruzado sem trégua
A chama que aqui me consome

Mas quem sou eu – à queima-roupa?
Fantoche, boneca, ilusão...
Presença, passado, futuro
Estrada, rumo, direção
Eu quero o todo, o meio, o nada
Trindade que trazes na alma...
Viagem, partida, regresso
Cidades, atrasos, progressos

Eu sou oratório e o terço
Mística a te virar do avesso
Meu céu é o sorriso devoto
Com que tu ganhas e eu aposto
Sou Eva te dando a maçã
A Gênese desse amanhã
A história de futuro incerto
Pecado, castigo, perdão...

Sou fuga, delírio, destino
Roteiro, horizonte, caminho
O Evangelho, a cruz, a dor
A tentação desses desertos
Maria, de infinito amor

Goimar Dantas
São Paulo
16-12-07

sábado, dezembro 08, 2007

A barca de Pedro


Lá bem longe,
Na morada do vento...
Lá bem longe,
No fundo azul do mar...
Há de haver um poema,
Um pensamento,
Uma forma capaz de me explicar
O porquê da beleza do silêncio
Quando é quebrado assim,
Bem devagar,
Pela música doce dessa tarde.
Melodia que invade esse lugar.
Ninho, sala, varanda, consciência ...
O meu corpo
Que logo quer dançar.
Minha alma embalada,
Meu desejo,
A presença do outro,
A se instalar:
No meu peito
(em forma de saudade),
Nos meus olhos,
Faróis a espreitar
A chegada da barca
E do marujo,
Do meu Pedro...
Que insiste em não voltar.
Esse homem
(que é misto de ilusão)
Quase um Deus
Cujo dom é me inspirar
Uma recordação
Um doce alento
Luz do sol!
Ou um raio de luar?
Ele é mais...
É infinito,
Firmamento,
Poesia,
Que vem me abençoar...
A canção
Que agora estou ouvindo
Nesse dia,
encantado,
à beira-mar.

Goimar Dantas
São Paulo
08/12/2007

terça-feira, novembro 27, 2007

O eterno retorno







Quando chove é assim, não adormeço.
Viro terra molhada de esperança.
Viro o cheiro da mata,
Viro dança,
Arco-íris que vem pra celebrar.
Viro noiva sorrindo no altar.
Me transformo em cantigas e novenas.
Viro Helena de Tróia,
Sou Atenas,
Afrodite nascida para amar.
Desabrocho no rio,
Vitória-régia!
Viro a areia beijada pelo mar.
Viro fogo na brasa, crepitando.
Melodia das noites de luar.

Quando chove é assim,
Eu viro lava
E incandesço nas curvas do caminho.
Um vulcão explodindo,
passarinho,
Espalhando seu canto pelo ar.
Quando chove é assim,
Eu viro verbo,
E um poder de dizer vem me tomar.
Viro história encantada,
Viro lenda,
Sherazade de noite, a nos salvar.

Quando chove eu sou mil e uma noites
Estreladas no céu de Bagdá.
Quando chove eu sou mundo
Sem fronteiras,
Universo, partícula, poeira...
Energia, silêncio, sintonia,
Uma crença, um rito, uma oração

Quando chove eu, de novo, sou menina,
De vestido, brincando no sertão...


Goimar Dantas
Ilhabela, Litoral Norte de São Paulo
12/11/07
Foto: Jean Paul Nacivet

quinta-feira, novembro 22, 2007

Drummondiana



Joguei pedrinhas
Rodei ciranda
Pulei a corda
Com pernas bambas
E no pique-esconde
E na queimada
Eu era tudo
E hoje sou nada...
Será???

Virei a curva
da inocência
Perdi o bonde
do seu frescor
Ganhei as rugas
da incoerência
Cabelos brancos
pelo pavor
De não ter mais
como voltar
De não ser mais
o “eu” da infância
de não lembrar
o que é pureza
De não perder
a esperança

E o que restou?
Restou memória
Poeira e estrada
Chão batido
Mão calejada...

E sentimento
E valentia
E liberdade
E mais-valia
E o lucro certo?
Quem sabe, um dia...

Mas vida é gana
Mas vida é sorte
Mas vida é choro
saudade
morte
E tudo é drama
Tudo é poesia
E tudo é graça
Tudo euforia...

E tem chegada
E tem partida
E longo abraço
de despedida
E vela acesa
E meio-dia
E correnteza
E calmaria

E é sempre a busca
Daquela chama...
Da alma em brasa,
Do amor de fato
Crime perfeito!
Vapor barato...

E noves fora?
Pensando bem...

Eu sou a soma
Desse passado
Dessa distância
Desse contexto
Da circunstância!

Eu sou o lá longe
Eu sou a cana
Eu sou o trago
Eu sou a lama
Eu sou a estrela
E a tempestade
O céu mais claro
Eu sou vontade!

Eu quero é mais
Eu sou mais forte
Eu sou sertão
Eu sou do Norte
Eu sou o poço
Que não tem fundo
Eu sou o quintal
Eu sou o mundo

Eu vim de lá
(pequenininha...)
Eu sou o peixe
Eu sou a espinha
Eu sou o agora
Eu sou o futuro
Da minha história
Eu sou murmúrio
Eu sou o grito
Eu sou o compasso
Eu sou a dança
Eu sou o laço

Eu sou o espaço
E o infinito
Desse oceano
um ledo engano!

Eu sou carícia
Furor selvagem
Eu sou sambista
E a malandragem
A fina estampa
Dessa cidade
A miscelânea
desse país!

Eu sou artista
Eu sou poeta
Eu não me escondo
Eu estou na Praça!
Eu sou mistura
de toda a raça...

E eu sou Paulista!
Consolação
A Ipiranga
A São João...
O cruzamento
Farol aberto
O andarilho
sem rumo certo.

Eu sou resumo
Dissertação
Sou argumento
Composição...
E aqui defendo
a minha tese
De ser palavra
De amar a verve!

E não importa o quando:
sou verso livre
filosofia
da confusão
Não sei contar
me perco sempre
não tenho senso
de direção...

Nas minhas veias
vivem os versos
E no meu nome
carrego o mar
Eu tenho fome
de todo o livro
Eu tenho sede:
de saber narrar
Eu sou o Verbo
Sem vã lembrança
Tudo sou eu
E tudo é nós

E ao fim da vida
talvez sejamos
subprodutos do
do que já fomos
tosco rascunho
do que seremos
Transe terrestre
Cafés pequenos...

E dia a dia
Sigo buscando
Essa criança
que está brincando
Essa menina
que está sorrindo
Com suas pedras
pelo caminho.
Goimar Dantas
São Paulo, 21/11/07

Imagem: Crianças brincando de roda, Hans Thoma (1839-1924) - (Der Kinderreigen, óleo sobre tela, 115 x 161 cm) – 1872

segunda-feira, novembro 12, 2007

Herança



(para Yuri Dantas Pedro)

No mês de junho chegará meu filho,
já demonstrando ser fã da alegria,
pois nascerá em tempo de festas,
quermesses, doces e muita folia.

Quero ensinar-lhe a absorver encantos,
a ser artista nesse picadeiro,
a ser na vida um grande equilibrista
e trapezista de sonhos, desejos.

Vou ser a mãe que vai contar histórias
e transmitir-lhe doses de magia,
vou acalmar seu choro com a música
e vou niná-lo com a poesia.

Quero mostrar-lhe o fascínio de tudo,
desde a chuvinha à grande queda d’água
e assim torná-lo defensor da Terra,
um lutador em meio às enxurradas.

Já bem pequeno vai ganhar mil livros,
para entender melhor a realidade,
(mesmo que seja por meio de fábulas,
que com doçuras lhe dirão verdades).

Conversaremos muito sobre a vida
e a importância do termo “vontade”.
Minha missão é transmitir a ele que:
dos grandes sonhos fez-se a humanidade.

Vamos brincar durante todo o tempo,
mesmo já estando longe da infância.
Quero alertá-lo que uma alma alegre,
conserva o espírito cheio de esperança.

Que seja cheio de simplicidade.
Carregue a eterna sede do saber.
Possua a força e a vitalidade
para lutar em cada amanhecer.
Goimar Dantas
20/12/95

quinta-feira, novembro 01, 2007

A premissa de Caymmi


Olhei aquela imensidão
(e com alma plena de sertão)
eu mergulhei sem pensar...

Quando vi,
já estava imersa
naqueles olhos de mar.

Naquelas pupilas-ilhas
onde é bom de naufragar.

Refúgio para a sereia
cuja alma é maré cheia.

Espaço em que a moça mítica
sempre sonhou navegar.

Em êxtase dilatado,
com coração rebocado,

tragado, capitulado,
perdido e enternecido

pelos olhos que eram mar...

E a moça que era sertão
e agora virou sereia

se entrega nesse oceano
sem temer banco de areia.

Aceita serena e mansa
o sal dos olhos de mar:

marejados do marujo
(moço que encarna Netuno)

sedento por devorar
com fome continental

a moça sertão e mar...

E ela, após alcançar,
aquelas janelas da alma

(nadando tão desenvolta
sem lembrar de respirar),
Decidiu submergir....

Deixar, assim, de existir...
Pra nunca ver se apagar

a lembrança do instante
em que atingiu, triunfante

o cerne daquele olhar...

Mas pouco antes de ir,
elevou seus pensamentos

e invocou Janaína,
deusa suprema do mar.

A quem rogou que a partida
para o além dessa vida,

fosse sempre acompanhada
por melodia sem par.

Uma canção que eterniza
amores e despedidas

e que atende pelo nome de:
“É doce morrer no mar...”


Goimar Dantas
São Paulo 1/11/07


Imagem disponível em: http://www.armenguepress.blogger.com.br/caymmi_elifas_andreato02.jpg

quinta-feira, outubro 25, 2007

A verdadeira história de Iansã



(Uma tragédia em três atos)



I ATO

Tudo estava sereno na terra,
até você decidir me deixar.
Ao acordar e ver a nuvem vazia,
logo entendi:
você finalmente desistira de me domar...



II ATO

Fiquei possessa com a sua covardia
e gritei sob a forma de trovões!
Imediatamente, planejei minha vingança:
enfiei a mão no peito
(que já ardia de maneira insuportável)
e de lá arranquei milhões de raios.
Autoritária, ordenei que eles
descessem à Terra.
Pior: exigi que eles te partissem
em mil pedacinhos.
Mas, ao atravessarem a atmosfera,
eles adquiriram
vontade própria
e preferiram, apenas,
te iluminar.
Viraram clarões que te acenam,
luzes bem fortes que encenam
os flashs do meu amor...
Então, virei tempestade,
um tormento de saudade,
chuva forte e ventania,
que desemboca no mar...
Esse sim, um bom amante,
sempre disposto e ofegante,
sem medo de transbordar...

III ATO

Mas mesmo assim, ainda penso
no poder do teu abraço,
na doçura do teu beijo,
nesse amor que não tem fim...
Então, do mar me despeço,
subindo aos céus novamente
pra me desfazer em raios
quando o meu peito sangrar...
E, assim, vou ferindo a Terra
nessa minha fúria cega
que é filha da dor de amar.


Goimar Dantas
São Paulo
25/10/07

Imagem disponível em: http://www.aquarioarte.com.br/portfolio/arte/iansa.jpg

segunda-feira, outubro 15, 2007

As montanhas mágicas


Um universo verde me invadiu.
Estou em Minas.
Montanhas me recebem
de horizontes abertos
e rios correm para me saudar.
Mas antes que me alcancem,
flerto, obscena,
com o barro vermelho
(amante feito de matéria macia,
substancial...)
Ele se lança sobre mim possessivo,
na rua,
na relva,
no quintal...
Eu finjo certo recato
e, para excitá-lo ainda mais,
digo, cheia de malícia:
“Não, não... Vou sujar minha saia rendada se me deitar com você aqui... Não, por favor, não...” (e outras desculpas esfarrapadas e femininas).
Dá certo.
E ele vem mais forte,
cheio de desejo e,
com a ajuda do vento cúmplice,
sobe pelas minhas pernas
e vai se entranhando à minha pele.
Em pouco tempo,
somos um.
Artista e escultura.
Barroco sagrado e profano.
Mas a energia de Minas me deixa insaciável
e, então, sigo para me banhar no rio,
o mais criativo dentre todos os amantes.
Com ele, conforme já disse o filósofo
(usando outros termos):
A experiência nunca é a mesma...
O ritual se completa
com o passeio entre as árvores.
Amores impressionistas que me cercam,
me abrigam,
me afagam...
Folhas e flores roçam meu corpo
em carícias incessantes
(como um pincel sobre a obra-prima).
Agora sim,
sou parte da paisagem.
Respiro fundo,
tão fundo que me torno ar.
Flutuo,
vôo,
Liberdade, ainda que tardia!
De repente,
olho pra dentro de mim
E o que descubro?
Minas inteiras de palavras-preciosas
Estou rica
Poemas brilhantes brotam do meu peito
Inconfidências bem-vindas
Mas eu perco a cabeça...
e revelo romances em demasia
De repente,
me vejo exposta
em praça pública
(como Joaquim José da Silva Xavier)
Porém, nas Minas paradoxais,
esse ritual me faz viva, feliz.
Regresso à terra de São Paulo grávida,
renovada.
Por todo o caminho,
as montanhas me acenam,
eucaliptos me perfumam,
ipês floridos fazem festas para meus olhos...
Uma vez mais,
é hora de contar com o vento.
Cabe a ele soprar a melodia
que anuncia,
para breve,
o nascimento de mais uma poesia.
Riqueza concebida na terra,
no ar
e nas águas das Minas.
Das Minas Gerais.

Goimar Dantas
Santa Rita do Sapucaí
Sul de Minas Gerais
13/10/07

Imagem: foto de Hélio Mello, disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/images/sinapse02_20.jpg

sexta-feira, outubro 05, 2007

Balada para amores impossíveis



À memória de Romeu e Julieta,
Abelardo e Heloísa
Riobaldo e Diadorim
Florentino Ariza e Fermina Daza



Conheço seus sentimentos
Sempre entendi seus motivos
E sobrevivo à distância
que te afasta, assim, de mim.
Mas sei que vivo em seus sonhos
Que moro em seus pensamentos
Povoando os seus silêncios
E as curvas do seu sorrir

E eu sei que você percebe
O porquê do descompasso
Em todas as nossas músicas
Em todos os nossos passos...
Raras noites
Poucos dias
Tanta estrada
Muita ausência
E sempre um mar de saudade
E sempre a mesma sentença:
“Agora não. Só mais tarde...”
(Frase que é vil veneno
Um tipo de porto e cais
Em que os amantes se acenam
E onde soluçam seus ais).

E esse vazio em seu peito
E as minhas tristes poesias
Se encontram de vez em quando
Numa mesma sintonia
No sonho
Na tempestade
Nas quatro fases da lua
No vento que envolve a noite
Na esquina de toda a rua...
No universo paralelo!
Na curva de cada hora
Na duração desse inverno
No entardecer e na aurora...

E o sol podia brilhar
E a estrela nunca cair
E a maldição desse agosto
Deixar, assim, de existir...

Mas esse amor sem fronteiras
Gigante continental
Ocidente e oriente
Stonehenge ancestral
Nasceu com força de chão,
calor e intensa poeira
vulcão prestes a jorrar...
Força bruta, correnteza.
Eco de desfiladeiro
Labirinto de incerteza
Alegria e Carnaval
E a cinza da quarta-feira...

E enquanto o Tempo se mostra
Senhor do nosso querer
Deus de todas as vontades
Um sonho do vir a ser
Você vai virando a página
Do livro da juventude
E eu vou compondo linhas
Desses versos, amiúde
Sina de todo poeta
Destino
Fado
Refrão...
Balada
Estrofe
Cantiga
Reza
Grito
Oração
Filosofia
Poesia
Doutrina
Religião
Fé cega
Que só obedece
Ao Deus boêmio e divino
que atende por Coração.

Goimar Dantas
São Paulo, 05/10/07

domingo, setembro 16, 2007

Gueixa



O Oriente está a cinco passos:
moça de olhos puxados,
sentada neste café.
Mangá jamais desenhado,
traço, assim, delineado,
estrela nipo-solar.
E a luz desse sol poente
me invade assim, de repente,
instiga meu mar-luar.
É quando eu sinto a energia
que seu espírito irradia,
força extremada,
sem par!
Golpe certeiro e cortante,
linhagem beligerante:
moça-gueixa-samurai...
Seda espalhada nas costas,
tapete negro, macio,
melenas longas e retas
onde é bom de se aninhar.
Olhar que é mira certeira,
ritualística dama
da Cerimônia do Chá.
Mirante para outras terras,
língua que é puro mistério,
dilema a enfeitiçar...
Da direita para a esquerda,
leitura desconcertante,
perdição do viajante,
ideograma de amar.
Expressão da natureza
sob a forma de princesa,
linda boneca de louça,
com boca cor de carmim.
Efeito de um kamikase,
de espada bem afiada,
bandeira branca e vermelhadualidade sem fim.
Misto de paz e de guerra,
um delicado origami
sentado próximo a mim.
E chego ao fim desses versos,
presente de mais um dia,
fruto doce desse vício
que se chama observar.
Assim registro a magia
e eternizo a poesia
que invadiu esse lugar.

São Paulo,
Centro Cultual Vergueiro
Junho- 2007

sexta-feira, setembro 07, 2007

Para além dos Cânticos


Quem nunca pecou,
que atire a primeira pedra.
Esses dizeres me redimem.
Retiram de mim o peso da cruz que é seu corpo forte,
moldado em rituais e sacrifícios...
Ah... A velha culpa cristã...
Ela me faz crer que
meu desejo é pecado e primo-irmão da loucura...
Mas antes que a insanidade me tome de vez,
me apego com fervor a trechos dos Evangelhos.
Apenas eles me apartam da desesperança quando falam de vinhos,
festas, danças e da extrema reverência com que Maria,
irmã de Marta e de Lázaro,
cuidou do seu Senhor.
Ela sim pôde viver a glória
porque lavou os pés de Jesus com perfume de nardo e,
depois, os secou devotamente,
com seus próprios cabelos...

Uma cena que supera a poesia e a sensualidade do Cântico dos cânticos.
E que me comove mais do que toda a arte já produzida pela mão do homem.

E dito isso, pergunto:

-“ Irmão Sol, Irmã Lua...
Estarei sendo profana ao desejar lavar os pés do meu amado?
Logo Ele a quem considero um Deus?”

Quem nunca pecou...

Goimar Dantas
São Paulo – 29/08/07


Imagem disponível em: http://www.ideariumperpetuo.com/MM-Pieter_Pauwel_Rubens-1618.jpg

terça-feira, agosto 28, 2007

O filho da pedra


A João Cabral de Melo Neto


Ontem à noite
adormeci sobre a Pedra do Sono.
Ela me penetrou rija,
com volúpia.
E eu, que estava fértil,
engravidei de palavras.
A gestação entrou pela madrugada
e foi assistida por anjos.
Mensageiros a me povoar os sonhos.
Acordei dilatada.
Pronta.
Agradeci a graça alcançada e,
em poucos minutos,
dei à luz ao poema.
Não me reconheci nele...
A criação era Verbo.
Poder divino.
Evangelho místico de João.
A mim, restava a dádiva de me saber Maria:
mulher vestida de sol.

Goimar Dantas
São Paulo, 28/08/07

segunda-feira, julho 23, 2007

A Casa do Sol















A casa do sol

Acordei estelar porque ontem atravessei o portal na companhia de um xamã.
Do lado de lá, seres elementares nos aguardavam: o sábio senhor do reino, a feiticeira de cabelos de fogo e túnica púrpura, a fada musicista (com instrumentos de corda gravados no corpo e na alma) e a matilha agitada de cães híbridos, loucos, apaixonados, possessivos.
Ao longo de nossa jornada rumo ao centro daquele universo paralelo, todos esses amados súditos da Deusa Hilst nos serviram histórias mágicas, sonhos, alimentos e bebidas quentes.
E lá estávamos nós. Reverentes. Risonhos. Tomados pela epifania daquele momento raro. Ao entrarmos na sala surreal, Mora Fuentes – o doce senhor do reino – sorria enquanto nos abria as veredas de seu peito. Honradíssimos pela deferência concedida, entramos extasiados e, de imediato, deparamos com o gigantismo da barca do seu coração majestoso... Conscientes da oportunidade sem igual, nos posicionamos na proa – de forma a receber o vento daquele lirismo com mais intensidade. Era a senha para navegar rumo à passagem secreta que nos levaria até às memórias do soberano Mora.
Durante o trajeto, olhávamos o caminho sem pressa, admirando cada paisagem, aroma, cor, imagem... Substratos indispensáveis invocados pelo rei sábio que detinha o conhecimento capaz de trazer à tona as linhas e entrelinhas do passado. Hábil capitão da máquina do tempo, Mora era mesmo fuente inesgotável na qual podíamos sorver o elixir que nos conduzia às paixões, desafios e peripécias vividas ao longo das décadas pelos habitantes do clã Hilstiano. Quantas verdades e lendas... Quantos amores, poemas, festas, danças, batalhas, vilões, heróis...
Depois, já banhados pelo sol da memória do rei e pelas cores da casa-arco-íris, fomos conduzidos ao pátio. Espaço nitidamente transcendente, composto por oito arcos que remetiam ao infinito das possibilidades... Escolhemos aquele que nos levaria ao Jardim Real, mais precisamente ao cenário inesquecível da sombra da Figueira centenária. Fincados naquele mágico ambiente regido por Gaia, bancos de pedra ancestrais nos esperavam, solenes. E ao nos sentarmos em matérias minerais tão arcaicas e atávicas, acabamos por formar um círculo místico, eternizado. O pacto estava feito. Estabelecemos, ali, a nossa conexão perene com os desígnios de Hilst.
Ao cair da noite, pouco depois do poente, saltamos da barca da Memória de Mora e caminhamos pela terra sagrada na direção da carruagem prata que nos levaria de volta ao mundo real. Voltamos – eu e o xamã originário da floresta dos pinhos – tentando traduzir a felicidade. Mas, ao perceber a complexidade dessa missão, nos rendemos, de quando em vez, às pausas silenciosas. Nelas, paradoxalmente, podíamos dizer tudo... Ao mesmo tempo, ainda encontrávamos forças para flutuar, velozes, a 130 quilômetros por hora.
Não nos demos conta se a lua estava cheia. Apenas atentávamos para o inevitável dentro de nós: um desejo nítido e pleno... De voltar.

Goimar Dantas, em 15 de julho de 2007.
Texto produzido um dia após visitar a Casa do Sol, com meu amigo Ruy Rebello Pinho. O lugar, localizado próximo a Campinas e recanto mágico por natureza, foi morada da escritora Hilda Hilst. Hoje, o espaço se tornou o Centro Cultural Hilda Hilst, graças ao trabalho e ao empenho de José Luis Mora Fuentes e de seus poucos e bons companheiros. Mora, obrigada por tudo! Esse texto é pra você!

quarta-feira, julho 04, 2007

A pequena notável






A primeira vez que trepei
(num pé de Seringueira),
pensei: “Comigo, ninguém pode”.
Eu tinha sete anos
e um milhão de sonhos.
Subi bem alto.
Olhei pro horizonte,

medi o mundo.
Achei pequeno demais...
Desci cheia de soberba,
calcei as chinelas e
fui pra casa.
Um cômodo de madeira
que o asseio e o amor de minha mãe faziam brilhar.
No chão,
folhas de jornais
assumiam o papel dos tapetes.
Eu respeitava e,
cuidadosa,
só pisava em anúncio,
horóscopo,
notícia de guerra.
A vida era boa demais!
O mundo é que me esperasse pra ver.
Encerrei aquela tarde de descobertas
de modo sensacional:
pão com manteiga e café.

Goimar Dantas
São Paulo
05/06/2007

Imagem: Comigo ninguém pode, disponível em:

segunda-feira, junho 04, 2007

Seringueira I



Seringueira I

A minha infância mora em mim
e também naquela árvore.
Cada galho, cipó e folha
são como extensão do meu corpo.
O espírito que está para além
das minhas cinzas
um dia se deitará sobre ela.
Se integrará em seu tronco
e recenderá seu aroma amadeirado.
É na lembrança dela que subo
quando a vida quer me pôr pra baixo.
Árvore-mãe que me acolhe, abraça, acalenta.
Espaço que nunca é ausência.
Templo que frutifica em mim.


Goimar Dantas
Em 08/07/2006
São Paulo

imagem disponível em:

http://www.casadacultura.org/arte/fot/fotos_Carmen_thiago/26_Seringueira.jpg

quarta-feira, maio 09, 2007

Ciclo das águas





Acordei molhada.
Chovia.
De dentro de mim
a água fluía.
Descia a ladeira
da graça morena.
Passava por sobre a
penugem macia.
Rio de espuma branca.
Fonte de prazer.
Forte correnteza.
Um mar de querer
que quebra na boca
da caça que é presa.
Domínio.
Certeza.
Fera saciada
(que logo adormece)
na gruta debaixo
da linha do ventre.
Caminho.
Nascente.

Goimar
São Paulo, 07/05/07

segunda-feira, abril 23, 2007

Autorretrato


>Eu sou...
Menina da rima,
bailarina de retina,
nordestina da toada,
princesa lá do Cordel.
Filha de Pedro e Maria,
neta do seu Zé Dantas
e sua dona Luzia.
E também de Pedro Horácio
e sua doce Maria.
Sou fruto da terra seca.
Amante do som da chuva.
Do estrondo do trovão.
Da melodia do mar.
Eu sou a moça dos textos,
da prosa, da sintonia,
do engenho da palavra.
Eu sou a febre de amar.
Eu venho de outras paradas,
do Rio Grande do Norte.
Daquele sertão sem sorte,
mas cheio de poesia…
Gene das gentes bravias,
dos violeiros da feira,
das histórias infinitas
que nunca vão se acabar.
Espécie de Sherazade
que narra ao raiar do dia,
dorme sonhando versos
e acorda pra lapidar.
Eu tenho a pele morena,
do sol dos meus ancestrais,
que ardiam noites e dias,
sempre querendo mais.
Eu trago o verbo na alma,
escrevo sem ter papel,
desafio na embolada.
Eu sou linha e carretel.
Sou fã de Manuel Bandeira,
de Carlos Drummond de Andrade
e penso que Adélia Prado é
anjo que vem do céu.
Entendo que Hilda Hilst,
pitonisa da paixão,
foi condutora de um tempo,
da marcha do coração.
Eu quero é parir poemas,
dar à luz nas madrugadas,
achar a palavra exata
na hora em que precisar.
Eu sou fiel aos meus livros,
e a vontade insaciável,
de descrever o não-dito,
tesouro bom de encontrar.
Sou Diana Caçadora
e vivo de articular
idéias soltas no espaço,
tramas em pleno ar.
Eu sou lápis apontando.
Nasci para registrar,
para versejar enredos
e personagens sem par.
Se ainda não me conhece,
atente! Pode apostar,
meu nome é bem diferente.
Prazer, eu sou Goimar.

Goimar Dantas
São Paulo, 14/01/07
às 12h30.
Imagem: foto da menina Gói, aos 3 anos. Acervo pessoal.

quarta-feira, abril 11, 2007

Paixão na Paulista



Paixão na Paulista

Era hora do rush em São Paulo.
E eu andava, assim, com meus dilemas.
Contra-fluxo de todo sistema.
Arremedo de um bom cidadão.
Eram seis e trinta de um verão.
De uma calor abafado e ardente.
E eu suava (ainda inocente)
ante tudo que iria viver.
De repente, me vi ofuscado
pela bela de jeito agitado
que surgiu em meio à multidão.
Emanava um calor,
uma chama,
um desejo,
uma estranha doçura...
Luz del Fuego no meio da rua!
Carceragem com um rosto solar.
E eu freei o meu passo apressado.
Cavalo xucro preso por um laço!
Fera vencida em tourada de Espanha!
Senti no peito o varar de uma espada,
de uma lança feroz que transpassa
e ainda zonzo voltei meu olhar
(à procura do rosto solar...)
Para mim era puro poema,
feito a moça do sol de Ipanema,
visão semelhante à do mar.
Bem depressa tratei de segui-la,
mas o fim da avenida surgia.
Feito emblema, enigma,signo:
Uma esfinge que vem devorar!
E eu sozinho enfrentando o feitiço
(que era o viço da dama ao andar.)
Mas o rush em São Paulo é uma dança.
Um bailado,
um forró animado,
onde todos terminam sozinhos(!).
Festa estranha demais de entender.
Procurei-a por todos os lados
(como bicho de faro apurado).
Mas a moça já tinha sumido,
se esquivado sem deixar vestígio.
Ah! São Paulo de amores perdidos!
Dessa graça do encanto instantâneo.
Da paixão que se acha e se perde
no abrir e fechar dos sinais,
no metrô que prescinde do cais,
no olhar sedutor que se lança
nos cinemas e bares, boates.
Nos nasceres de sóis escarlates.
Sentimento rompendo o concreto
(coração no compasso do verso).
Betoneira da selva de pedra.
Com a qual eu misturo essas cenas.
Para erguer edifícios-fonemas.
E chegar ao meu céu... Com poemas.

Goimar Dantas
03/04/07
São Paulo
Imagem disponível em: www.painet.com.br/joubert/images/tourada3.jpg

quinta-feira, março 29, 2007

Porto inseguro




Porto inseguro


Um poema é devaneio.
Anseio.
Dor de saudade.
Navio, assim, à deriva.
É gosto de eternidade.
Poema é porto inseguro,
é grito alto no cais.
É partida e é regresso.
É também um querer mais.
Poesia é mar de palavras.
Mergulho na imensidão.
Nova explosão do universo.
Um bailarino sem chão.
Uma existência à procura...
Tradução de solidão.
Espaçonave que estoura
aos olhos da multidão.
É uma semente no ar.
E, às vezes, erva daninha
que sai de dentro da gente
e se espalha formando linhas.
É um amor que não deu certo
ou ainda uma ilusão.
Pra muitos – fratura exposta.
Pra outros – uma oração.
Poesia é veia pulsando
por tristeza ou alegria.
É soldado em plena guerra
lutando sem covardia.
Poesia é tempo pretérito,
é futuro e é presente.
É conexão que liga
os sentimentos das gentes.
Poesia é como o olhar,
como a janela da alma.
Um constante observar...
Por fim é retrato perfeito
dos poetas que se guiam
pelo que trazem no peito.

Goimar Dantas
São Paulo
22/02/07

Imagem: pôr-do-sol em Ilha Bela, acervo pessoal.

sábado, março 24, 2007

Vestido de chita





Vestido de chita

Sonhei com a cabocla de saia rodada,
cirandando com graça e poesia.
Tinha o corpo da cor da canela,
se vestia de chita e magia.
Requebrava tal Rita Baiana
e lançava feitiço com o olhar.
Mas se queria ferir fundo n’alma:
era só um sorriso esboçar...
Fez-se dona daquele ambiente,
tal qual brisa que domina o ar.
Era radiante como o sol!
Era mais bonita que o luar!
Tinha o mar no fundo dos seus olhos
(de ressaca que insiste em sugar:
outros olhos que cruzam com os dela
e se deixam pra sempre afogar...)
O poder das morenas sereias!
Dessas moças nascidas em aldeias...
Dessas lendas que vêm nos tomar.
São mais fortes do que se imagina.
Já deixaram de ser Macabéas,
(porque fazem bem mais que sonhar).
Heroínas de muitas platéias.
Hoje andam pela paulicéia.
Desenvoltas lutam sol a sol
E se cansam?
- Resgatam a Ciranda!
E de noite se põem a dançar!
Já não usam vestido de chita.
(mas ainda há magia e luar).
Como em aldeias longínquas, dispersas,
que tem, sim, um não sei quê de mar...
Que o sertão tem a honra e a graça
de chamar pelo nome de “olhar”.
E é dentro desse mar-olhar
que as morenas teimam em carregar
uma espécie de mundo encantando:
rio que desemboca em alto-amar!

Goimar Dantas
21/03/2007

Imagem: “Menina sentada”, 1943, pintura de Cândido Portinari.
Disponível em: http://www.portinari.org.br

sábado, março 17, 2007

Pedra do meio do caminho




Pedra no meio do caminho

Ah, essa tristeza de não parir poemas...
De não receber a rajada da inspiração.
Alma sangrando,
mar de vergonha e imensidão.
Meu peito busca
versos, estrofes, rimas, refrões.
Mas os lirismos se perdem no espaço.
E as rotas?
Não têm direção.
Eu, que estou sempre grávida de palavras,
perdi essa poesia no começo da gestação.
E agora,
por entre os dedos de minha mão
escorrem frases abortadas,
idéias natimortas,
criações inacabadas,
prematuras.
Resta a espera...
As lágrimas desesperadas
da mãe que vê o filho
através dos vidros da incubadora.
É fraco.
É pequeno.
É raquítico.
Mas não deixa de ser amado, desejado.
Assim é a vida de quem concebe poemas.
Às vezes, adormeço Drummond,
mas, quando acordo... Cadê?
Nada de "Sentimento de Mundo"!
Foi Adélia, rainha dos prados,
quem melhor definiu
a ausência de inspiração quando disse:
“Olho pedra e o que vejo é pedra mesmo”!

São Paulo
21/12/06

quinta-feira, março 08, 2007

O resgate de Alice


O resgate de Alice

Infância.
Âncora no meu peito-cais.
Ando sobre o píer do tempo e
embarco em veleiro
mareada num vaivém de lembranças...
Mundo mar.
Imensidão que está em
e para além de mim.
Sílaba-sina
formando meu nome.
Mar de maresia
Mar de marinha
Mar de marinas
Mar que é mistério,
mirante,
milagre.
E no meio da visão do meu mar,
um susto!
Uma criança se debate.
Me atiro nas águas para salvá-la.
Nado em desespero.
Estendo o braço.
Alcanço a pequena.
Consigo estendê-la na areia.
E, quando extenuada,
inundo-a com a avidez dos meus olhos,
eis que me reconheço...
Sou eu menina!
Que ainda respira.
Que insiste em vir à tona.
Aperto a criança em meus braços,
e ela logo se entranha ao meu sal.
Caio num sono profundo,
Alice marítima...
Encantada.
Ao acordar,
virei mulher novamente.
Agora uso saia-rodada.
E estou pronta
pra roda-viva
da vida.
É a menina dentro de mim...
Pretérito-mais-que-perfeito.
Meu presente.
Meu futuro.

GoiMar Dantas
Praia do Engenho
São Sebastião
Litoral Norte de São Paulo
19h38
Em 07/01/2007

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Amoremar


Amoremar

Todo o verde à minha volta
todo o mar que é só revolta,
vôo solo da gaivota...
Tudo me lembra você!
Ondas ferindo areias,
luas e marés cheias,
canto ao longe das sereias
(tristeza a não ter mais fim...)
Abro o coração ao vento
que escutando os meus lamentos,
conta tudo para o céu.
E, então, o céu se comove
e chora a não mais poder...
Desaba em lágrimas doces,
cadências do meu sofrer.
E sei que tanto tormento
queima, machuca, angustia!
Destoa das alegrias
de um mundo cuja euforia
faz refrão longe de mim.
Mas, sendo o fingir a regra
e o ofício de nós, poetas...
Sorrio – um tanto sem pressa
disfarço, assim, meu pesar.
Pois dentro de mim: só névoa.
Estrada sem horizonte.
Caminhos, rios sem ponte,
ausência de solução.
Amoremar – verbo novo!
Palavra rompendo o espaço,
rima que escapa ao laço,
som que resume os “ais”.
De todos os viajantes.
De todos os derrotados.
Dos que fugiram da vida
e se entregaram pro mar.
E o que são “ais”?
Melodias!
São sílabas das poesias!
Versos de peito-cais!

Goimar Dantas
Juréia de São Sebastião
Litoral Norte de São Paulo
17h21, em 06/01/2007
Imagem: pôr-do-sol em Maresias, acervo pessoal

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Infância



Infância



Faz tempo.
Era noite de São João.
A fogueira feita pelas crianças da rua formava lindas labaredas.
Naquela época, eu ainda não havia lido livro algum.
Tampouco sabia sobre a simbologia ancestral e mítica do fogo.
Estávamos, meninos e meninas, em círculo.
E eu também nada entendia sobre o significado transcendente dessa representação geométrica e sobre o grande poder concentrado em áreas esféricas: invocações tribais, ritos iniciáticos, cerimônias sagradas...
Aquele mundo multicor e singelo em que eu vivia meus primeiros anos também desconhecia de todo a filosofia oriental.
Yin e Yang eram palavras que nada me diziam.
Nada representavam no meu universo pleno de brincadeiras pueris.
A divisão entre o masculino e o feminino, para mim, naquela noite de São João, era absolutamente simplista: bonecas para as meninas e carrinhos para os meninos.
Só.
É verdade, no entanto, que já me intrigava a capacidade masculina de, rapidamente, aprender a jogar pião ou bola de gude.
De resto, quase empatávamos, ressaltando que ninguém subia nos pés de seringueira com maior rapidez e habilidade do que eu.
Lá estava a fogueira.
Lá estavam futuros homens e mulheres formando um círculo de igualdade incontestável.
Não havia intrigas, guerras sexistas...
Só o calor do fogo e o ritmo doce e inquebrantável das cantigas infantis...
Eu não distinguia signos, psicanálise, religião.
Era apenas feliz.
E sabia.


Gói

São Paulo
17/10/2004

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Maria, marias



Maria, Marias


Mãe dedicada.
Não tem descanso.
Seu mar é pranto.
E escorre em dias
de alagamento
dos seus tormentos.

Vive de vento.
Planta esperanças.
Sonha fartura
para as crianças.
Tem no seu peito
um leito seco...
Açude murcho,
sem alegria.

Em sua vida
de desenganos,
não houve planos,
só sequidão.
Zé foi embora
buscar trabalho.
Lá na São Paulo
das ilusões.

Morreu caindo
de um edifício.
Andaime frouxo.
Lida de cão.
Ficou Maria,
com seus rebentos,
que se lamentam
sem refeição.

Mas tudo passa.
Roça perdida,
água contada,
poeira vermelha,
o chão da estrada...

Maria segue,
na sua faina.
Mulher de fibra,
Raça morena.
De dia é enxada,
de noite é lenda...

Soluça baixo,
olha pra cima,
pede justiça
pra Padim Ciço.
A prece é velha.
Perdeu o viço.
E o padim Ciço?
Tem compromisso.

Outras Marias,
filhos doentes,
vítimas prenhes
de inanição...
Morrem-não-morrem
espalham um peso
no ar já denso
desse sertão.


Maria é uma,
Maria é mil.
A chaga aberta.
Desse Brasil.

Goimar
São Paulo,
21/12/06

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Um certo Capitão Rodrigo (ou amor de livro)






Um certo capitão Rodrigo...
(ou Amor de livro)


Perdida por entre as terras.
Sozinha, no chão dos prados.
Silêncios, noites em claro.
Temores de escuridão.

Um vento soprando forte,
Minuano “lembra morte”.
Palavras que eram sentenças
da avó, na roca, a fiar...
E toda noite era espera.
Tristeza que se revela.
Ausência de um capitão.

Lenço vermelho no vento,
chapéu nas abas do tempo,
violão a tiracolo,
música solta no ar.
E lá vinha o herói garboso,
montado no seu cavalo.
Apeava com estilo, dizendo:
“Buenas, que me espalho/.
Nos pequenos dou de prancha/
E nos grandes dou de talho/”.

Olhar de dono do mundo,
um charme todo faceiro...
Histórias de viajantes
Se punha logo a narrar.
Conquistava o povoado
Cantando mil melodias,
Relatos de galhardias,
De amores e de folias,
Dos homens a pelear.

Enfrentou a antipatia
Dos grandes de Santa Fé.
Pois não baixava a cabeça,
Não era fraco, temente,
E com seu jeito valente
Bateu o pé resistente:
disse que iria ficar!

Pois tudo o que mais queria
Era Bibiana Terra.
A moça, então, mais formosa
Que existia no lugar.
A filha de Pedro Terra.
Um velho duro na queda,
que o capitão não temia,
mas precisava dobrar.

Depois de muito sufoco,
E de quase morrer à bala,
Finalmente conseguiu
Sua prenda desposar.

Casou-se com Bibiana e
Viveu tranquilo algum tempo.
Mas, depois, viu que era a guerra
E a vontade de lutar, as duas únicas
Damas a quem podia se entregar.

Tilintares de espadas,
Pistolas a disparar,
E ia o guapo pras guerras
Como quem vai a bailar.
A disputar uma prenda,
Sem medo de não voltar.

Tento tirá-lo da mente,
Paixão que me faz doente.
Risada alta e marcante
Que finjo não escutar.

Saio às cegas pelo mundo,
Fantasiando outros rumos,
Em busca de mais romances
Que me desviem o olhar.

Mas esse amor de fronteira,
De galope e montaria,
De terras e ventanias,
Me toma sem perguntar.

E pelos campos eu sigo
Na garupa imaginária
Do soldado destemido
Que eu insisto em namorar.

E as estrelas me abençoam,
Os vagalumes me guiam,
Corujas me desafiam,
Sábias, a me espreitar.

Como é difícil essa sina
De um personagem amar!
Corro, veloz como a luz,
Recebo as marcas do tempo,
Choro, grito e me lamento
Sem de nada adiantar.

Então, desperto do sonho,
À sombra de uma figueira.
Rogo por chuva divina
Capaz de purificar.
De me livrar da lembrança
De Rodrigo Cambará!



23/12/06
Santa Rita do Sapucaí (Sul de Minas Gerais)
Em homenagem à minha paixão mais recente,
o capitão Rodrigo Severo Cambará, personagem do romance
O tempo e o vento, de Erico Verissimo.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Um amante perfeito



Um ano inteiro se passou
sem que eu cedesse,
mas, um dia, aconteceu.
Sucumbi aos encantos do rei.
E me entreguei.
Foi numa manhã de Verão.
Deitei com ele na areia
à beira-mar – sem nenhum pudor.
Ao fundo,
a percussão das ondas,
o sopro do vento,
os agudos extremos
das gaivotas voyers.
Ele penetrou meu ventre,
meu torso, meu rosto, meu plexo...
Meu corpo ardia, sem febre.
Meu suor e meu sal escorriam,
sem dramas.
E eu desagüei ali mesmo,
na espuma das ondas...
Mas ele era insaciável
e seguiu me invadindo,
adentrando meus poros,
me tomando pela frente,
por trás,
em pé,
deitada...
Passeava pelas minhas costas,
aportava sobre minhas curvas.
E ainda aproveitava o enlace
para – grande astro que é –
me pintar em tons de canela
(como Jorge fez à Gabriela).
Ah, aquele calor sobre mim...
Horas se passaram
em que me deixei possuir
sem pressa.
E quando, finalmente,
olhei pra ele confessando cansaço,
calor em excesso e sede
ele me presenteou, cavalheiro,
com suaves pingos de chuva.
Poucos são os amores
que nos lavam o corpo e a alma...
Só me restou sorrir,
encantada.
E ele...
Ele vestiu-se com seus trajes
macios – como algodão de nuvem.
E foi partindo em outras direções,
mas não sem antes
dizer que voltaria no dia seguinte.
Ah... O sol...


Goimar Dantas
Juréia de São Sebastião
18h36
Em 06/01/2007

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Poesia à revelia



Silêncio, mais que um desejo.
Silêncio, mais que um afeto.
Tormento não ter por perto
Resquício desse querer...
E as poesias? Nascem tortas!
Pois meus sentimentos fogem,
minhas paixões esvaecem.
As dores? Desaparecem!
Sem quietudes pra sofrer.
De tudo, não resta nada.
Adormecem as alegrias.
E as transformações são lanças
ferindo a essência dos dias.
Fujo, me escondo, me perco,
invoco a santa poesia,
mas ela se distancia
(clamando pelo silêncio).
Fecho a porta, tranco o quarto,
mas eles gritam lá na fora.
No pôr-do-sol ou na aurora
eu busco e não encontro a paz.
O mundo, essa roda-viva!
A terra – esse fim de tudo.
Os homens, os desafios...
Sem tempo para calar.
Urgências, trabalhos, filhos,
novas solicitações,
as velhas demandas vãs
(nunca, jamais o silêncio).
Mesmo assim, vem o poema!
E é quase uma valentia.
É desabafo na tarde.
A salvação desse dia.
É prova de teimosia.
Fera que escapa à jaula,
flor que resiste ao gelo
luz guiando a jornada.
E o poeta rompe o espaço,
salta as barreiras do tempo
e abre mão do silêncio
(insiste em parir palavras!)
E produz à revelia
do barulho, dos lamentos,
dos latidos sem sentido
dos cães de hoje e de outrora.
Tudo por um motivo:
poetas são como vento...
Têm de espalhar sementes,
levar recados da alma
Para o coração das gentes.

Goimar
Santa Rita do Sapucaí
Sul de Minas Gerais
Aos vinte e cinco minutos do dia
27/12/06

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Nego Dé



(Para minha filha Tailane Morena, baiana nascida em Ilhéus)

E lá vinha Nego Dé.
Deus de ébano.
Riso de marfim.
Filho de Oxóssi.
Dono de ginga sem fim...
Corpo que é quase um rito.
Bailarino do infinito.
Jogador de capoeira.
Quando dançava descalço,
na dureza do asfalto
e parecia voar...
Tudo o mais se aquietava.
Tristeza se dissipava.
Espetáculo sem par!
Restava os olhos vidrados
da multidão encantada.
Das gentes de todo o mundo
que vinham pra admirar,
O místico Nego Dé...
Pássaro preto e alado.
Espécie rara de homem
Doutor na arte de amar...
Serpenteando no sol,
suava cegando a gente e
num brilho quase indecente
saltava pra acompanhar
a batida do atabaque.
África em pleno ar!
Mágico Nego Dé...
Metafísica e verdade.
Experiência divina.
Espécie nova de fé.
Êxtase mais que sagrado.
Profano pastor baiano.
Redenção dos meus pecados.
Entrego minh’alma a Dé...
Nessa aliança de versos,
palavras eternizadas.
Amor que une a poesia,
à dança de todo o dia,
no compasso da Bahia –
regência do velho Bonfim...
Lá onde impera a arte.
Mares que não se acabam,
palco de todos os Santos.
Magia a não ter mais fim...
Templo de Nego Dé.
Imagem que mora em mim.

Goimar Dantas
Santa Rita do Sapucaí,
Sul de Minas Gerais
Em 25/12/2006,
às 13h37.