segunda-feira, junho 28, 2010

Brincando nas linhas do Senhor




Se este domingo fosse um poema
eu lhe daria por tema linda história de amor.
Porque na vida do poeta em texto se tece
o que não acontece.
É a fé cega na palavra, sua mística religião.
Em cada verso: um universo.
Mais que louvor: salvação.

Goimar Dantas
São Paulo.
27/06/2010

domingo, junho 27, 2010

Vivendo e aprendendo a lutar



No último sábado, meu filho Yuri, 14, teve mais uma prova de que, na vida, não se consegue nada sem muita luta.



E depois de 10 delas, no exame de karatê, meu garoto conquistou a faixa marrom ponta branca. Como sempre acontece nesses exames, por motivos de nervosimo materno maior, todas as fotos das lutas ficaram tremidas, horríveis.



Necessário enfatizar: as vitórias de Yuri se devem muito à dedicação de seu professor e xará: Iuri.



E depois do sufoco, a foto descontraída com o amigo Pedro. Daqui a seis meses, caso Yuri esteja preparado, é a vez de tentar a faixa marrom, com a qual cada aluno deve permanecer um ano. Depois disso, finalmente vem a faixa preta, que deverá ser obtida em exame realizado na cidade de Guararema. Exame esse que, pelo que sei, leva qualquer mãe, no mínimo, ao desmaio. Alô, fabricante de Maracujina? Vou começar meu estoque e aceito doações, obrigada!

segunda-feira, junho 21, 2010

Marcelino: para além do pão e vinho




O escritor Marcelino Freire, pernambucano radicado em São Paulo desde o começo da década de 90, é um dos mais entusiasmados agitadores culturais da cidade. É também autor de diversos livros, dentre eles, Contos negreiros, Prêmio Jabuti 2006 na categoria Contos, e os ótimos Angu de Sangue e EraOdito, marcados pela narrativa crítica e original. E na última quarta-feira, 16, Freire me concedeu entrevista essencial para meu novo livro Rotas literárias de São Paulo.

Organizador da Balada Literária, que há cinco anos reúne tanto grandes nomes quanto revelações da literatura em evento realizado na Vila Madalena, em São Paulo, Freire é uma dessas pessoas que parece ter o dom da onipresença. Desde que chegou à pauliceia desvairada, o escritor trabalhou duro, bateu em mil portas, editou seus primeiros livros e, todas as manhãs, peregrinava pelas livrarias oferecendo-os aos livreiros.

Aos poucos, foi conquistando leitores e a admiração dos profissionais do ramo editorial e livreiro. José Luiz Goldfarb, curador do Prêmio Jabuti e ex-proprietário da famosa livraria Belas Artes - e a quem entrevistei há algumas semanas -, costuma dizer que os autores que mais vendeu em seus tempos de livreiro foram Freire e Paulo Coelho. “Ambos iam à Belas Artes oferecer seus primeiros livros que, na época, eram editados por eles mesmos. E eu vendia horrores. Lembro que eu ligava pro Marcelino e dizia: traga mais exemplares porque o que eu tinha aqui já acabou”.

Graças ao seu talento, trabalho e perseverança, Freire é uma das poucas pessoas que conseguem, hoje, viver de literatura no Brasil. Está sempre recebendo convites para ministrar palestras, oficinas, organizar e participar de debates e cursos. Também colabora divulgando e prestando consultoria a uma série de eventos ligados ao mundo das letras.

Em cerca de uma hora e meia de conversa, regada a café para ele e chá de hortelã para mim, Freire discorreu sobre as diferenças entre Recife e São Paulo, bem como suas primeiras impressões e dificuldades logo que chegou à capital paulista. Mais do que isso, detalhou sua saga para se firmar no concorrido mercado literário, revelou seus livros e autores preferidos e, como não poderia deixar de ser, contou quais rotas literárias frequenta/frequentou. Para meu espanto, falou até mesmo sobre uma certa preguiça que jura possuir, mas de cuja existência, confesso, duvidarei para sempre.

Saí da entrevista feliz por ter conseguido acessar tantas memórias e lembranças dessa figura impressionante que é Freire. Todas elas carregadas de ensinamento e beleza. E é por essas e outras que quanto mais o tempo passa, mais consolido a certeza: no fundo e na superfície, ter escolhido um ofício que me permite ouvir histórias para depois ter o prazer de passá-las adiante foi a decisão mais incrível e bem aventurada que tomei na vida.

Deixo vocês com o vídeo acima, em que Marcelino lê, maravilhosamente, um conto de sua autoria, o qual considero um dos mais belos e impactantes. Trata-se de "Totonha", escrito após o autor assistir a uma dessas reportagens sobre idosos que “ganham” a oportunidade de aprender a ler devido a algum tardio programa governamental. Para saber mais sobre Freire, acesse seu blog EraOdito. Basta clicar aqui. E boa viagem!

quinta-feira, junho 17, 2010

O maior amor do mundo




Meu rei completa 14 anos hoje e, sinceramente, pra mim ele é "o" cara. Amo vê-lo tocando bateria (instrumento que estudou por mais de três anos), andando de skate, dançando free step... Semana que vem, fará exame de troca de faixa, no karatê, dessa vez para obter a faixa marrom ponta branca. Mas, para isso, terá de passar por cerca de 4 horas de provas, 10 lutas, 500 polichinelos, não sei quantos abdominais e flexões... Meus nervos ficam em frangalhos, mas sei que tudo sempre dá certo no final.

Yuri e eu temos muitas coisas em comum. Já em outras, somos totalmente distintos... E por isso passamos o dia discutindo, argumentando, debatendo, exercitando a oratória. É cansativo, mas sei que isso vai ser importante para o seu futuro. Afinal, estou preparando meu filho para que ele vença, sempre, pela palavra. Pelo discurso. Pela capacidade de expor seu ponto de vista com inteligência.

Meu garoto não se conforma com pouco, tem senso estético apurado, gosta de cozinhar, nadar, lutar karatê, deslizar sobre as rodas do skate e de assistir filmes em que o herói jamais morre no final. Ele acredita que o bem deve vencer sempre - a despeito de saber que na vida real as coisas nem sempre acontecem dessa forma.

Ultimamente, tem deixado a bateria de lado. E isso é um sofrimento pra mim porque adoro quando ele toca e enche nossa casa de música. Tem uma preguiça ancestral quando o tema é estudar. Na sua opinião, melhor seria fazer qualquer outra coisa que exigisse movimento e criatividade. Demonstra interesse por história e ciências, mas nota 10 mesmo ele só concede às artes plásticas (muito diferente de mim, que sempre fui um fiasco nessa disciplina).

Geralmente não gosta dos livros que a escola determina que ele leia. Então, dia desses, resolvi agir de forma mais incisiva: dei a ele contos de Edgar Allan Poe, Nelson Rodrigues, Rubem Braga, Antônio de Alcântara Machado e Luís Fernando Verissimo. Ele leu e gostou da maioria dos textos; outros, no entanto, achou esquisitos, com final sem graça. Mas o melhor é que elegeu "A menina sem estrela", de Nelson Rodrigues, como seu preferido.

Eu não havia dito nada, mas naquela leva de textos, aquele também era o meu favorito... E essa escolha diz muito sobre ele. Sobre nós. Coisas como essa me fazem ter ainda mais fé no seu futuro. E, como diz a música: "Meu coração canta feliz".

quarta-feira, junho 16, 2010

Três letras trágicas


Edward Hooper, Summer Interior.


Acordei treva,
travada,
triangular.
Três letras trágicas
trespassam meu ar: TPM.

Goimar Dantas
São Paulo, 16/06/2010.

domingo, junho 13, 2010

A casa do poeta



Estou gostando da ideia de utilizar o blog para, sempre que possível, compartilhar os bastidores das pesquisas, entrevistas, leituras e demais atividades que compõem o processo de trabalho do meu novo livro Rotas Literárias de São Paulo que, conforme explicação do post anterior a este, abordará os espaços e personagens literários dessa que é maior metrópole do país e uma das maiores do mundo.

E na sexta-feira, 11, foi a vez de visitar a belíssima Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, que, gradativamente, vem se tornando um dos endereços mais dinâmicos da cultura paulistana. A visita, realizada sob a competente monitoria da coordenadora educacional Karen Kipnis, aconteceu pela manhã, quando fui apresentada a cada um dos 30 cômodos daquele que é o Casarão mais charmoso da Avenida Paulista.

A tarde seria dedicada a uma entrevista com o professor, crítico literário e poeta Frederico Barbosa. Fred, como é conhecido, é autor de diversos livros e foi duas vezes vencedor do Prêmio Jabuti, categoria Poesia. Não à toa, é o diretor da Casa das Rosas e também da Organização Social Poiesis, onde desenvolve um trabalho digno de classificá-lo como um dos gestores culturais mais competentes da cidade.

Graças a Fred e sua equipe, a Casa vem se tornando celeiro de novos poetas, espaço capaz de divulgar poesia e literatura a toda a comunidade, que tem acesso a cursos, oficinas, palestras e aos famosos saraus realizados no local.

Durante boa parte da tarde, Fred abriu seu coração sem reservas e, com voz pausada e tranquila, contou de seu amor pela cidade, pela poesia, pelos livros. Generoso, intercalou histórias com a declamação de poemas e, entre um e outro, apresentou seu olhar apurado sobre um sem-número de temas ligados ao universo dos livros. Não bastasse, trouxe à tona recordações afetivas de sua infância e juventude, pontuadas por sua relação com o pai, o renomado crítico literário João Alexandre Barbosa, falecido em 2006.

Só tenho a agradecer por ter sido tão bem recebida naquela que é uma Casa dedicada à poesia.

sexta-feira, junho 11, 2010

A dama e o cavalheiro



Na última quarta-feira, dia 9, estive na sede da Orquestra Sinfônica de São Paulo, a Osesp, que funciona em um dos locais mais belos da cidade, a Sala São Paulo, na Estação Júlio Prestes. Tenho paixão por esse lugar e sempre que vou até lá a visita acaba por ocupar um espaço de honra em meu coração e em minha memória.

E dessa vez não seria diferente porque o motivo de minha ida era realizar uma entrevista com Arthur Nestrovski, violonista e escritor que, até bem pouco tempo, também atuou como professor de literatura, na PUC-SP, e editor, na Publifolha. Mas, desde janeiro de 2010, Arthur assumiu o posto de diretor artístico da Osesp. Um cargo cuja relevância é indiscutível, dada a importância e o prestígio merecidos dessa orquestra fabulosa no Brasil e no mundo. Ainda assim, Arthur, gentleman que é, arranjou um tempinho pra me receber.

Arthur é uma das tantas personalidades que estão me concedendo (lindíssimos!) depoimentos para meu novo livro intitulado Rotas literárias de São Paulo, que pretende lançar luz sobre a cidade de São Paulo sob o ponto de vista da literatura, dos espaços literários e dos personagens que compõem o mundo das letras na capital paulista. E Arthur que, dentre outras coisas, nos presenteou com essa música belíssima aí do vídeo acima (onde surge ao violão), dedicada à Lygia Fagundes Telles, não poderia, claro, ficar de fora.

domingo, junho 06, 2010

Clássicos da literatura



Preciso compartilhar essa fotografia da minha querida máquina de escrever Royal, ao lado das nove reproduções fac-similares da Revista Klaxon, de 1922, publicadas, por sua vez, em 1972. Trata-se de primorosa e raríssima edição da Livraria Martins Fontes, em convênio com o Conselho Estadual de Cultura, da Secretaria de Estado da Cultura, Esportes e Turismo, do Governo do Estado de São Paulo. Era uma edição comemorativa naquele que foi o ano do cinquentenário da Semana de Arte Moderna.

A máquina é minha, mas a edição das revistas pertence ao meu amigo Leo, que essa semana prometeu que a deixará para mim, em testamento. Leo conta que a Livraria Martins Fontes disponibilizou para venda apenas 200 exemplares dessa edição contendo os nove números da Klaxon, que reúne boa parte do pensamento modernista brasileiro. Temendo ficar sem seu exemplar, no dia anunciado para o início da tal venda, Leo deu plantão na porta da antiga livraria, no Centro de São Paulo. Chegou às seis da manhã e já havia duas pessoas na fila...

Pois Leo me emprestou essa raridade há alguns dias mas, desde então, ainda não tive coragem de lê-la. Explico: algumas publicações têm, a meu ver, um caráter sagrado. Não raro, presto tanta reverencia a elas que chego a temer uma aproximação. Os dias passam e fico ali, olhando esses livros ou revistas, custando a acreditar que, mesmo provisoriamente, estão sob minha guarda, dentro da minha casa, compartilhando espaços na estante da sala ou em meu criado-mudo.

Ouvi falar da Klaxon pela primeira vez na adolescência, mais precisamente no segundo colegial, em uma das inesquecíveis aulas da querida professora Regina, que ministrava o curso de literatura. Durante dois anos Regina me apresentou um mundo inesquecível, composto por autores parnasianos, simbolistas, românticos, naturalistas, modernistas. Nunca poderei esquecer seu entusiasmo declamando poemas de Augusto dos Anjos, Manuel Bandeira, Drummond, Vinícius.

Já na hora de aprender inglês - e eram oito aulas por semana, uma vez que cursávamos o técnico em Tradutor e Intérprete -, o que tínhamos era uma professora completamente maluca que usava polainas coloridíssimas e sempre gastava de 10 a 15 preciosos minutos da aula oferecendo aos alunos a muamba que, mensalmente, trazia do Paraguai.

Mesmo assim, dona doida, como a apelidei anos depois, teve seu mérito: devo a ela a graça de ter ampliado meu vocabulário no idioma de Shakespeare, lutando para tentar traduzir, aos 16 anos, os principais contos de Edgar Alan Poe, que ela nos apresentava por meio de discos (sim, sou do tempo dos vinis) que traziam dramatizações dos tais contos. Ficávamos dias e dias decifrando o vocabulário desses textos que, à época, me pareciam grego.

Ainda hoje sou capaz de lembrar o impacto que senti ao ouvir clássicos como "O coração delator" (meu conto preferido de Poe) e "O barril de Amontillado" - tudo isso tendo, ao fundo, trilhas sonoras típicas de suspense, acrescidas da voz maravilhosa do fabuloso narrador (nunca descobri quem era). Deus do céu... Certas lembranças valem uma encarnação. E, nesse meu transe terrestre, essa é uma delas.

Enfim, vim aqui só pra mostrar a foto da Klaxon e da Royal e vejam só onde fui parar? Nas aulas de literatura e inglês de minha adolescência! Incrível como um blog pode, muitas vezes, funcionar como eficiente máquina do tempo.

quinta-feira, junho 03, 2010

Bêbado coração


The Reading Room, Carl Larsson, 1909.


Deitada no sofá, imersa na atmosfera de um livro, eu visitava a São Paulo do início do século XX. Mas ao perceber que alguém se aproximava, abandonei a plantação de chá que, naqueles idos de 1900, ocupava boa parte do Centro paulistano para ser imediatamente reconduzida à minha sala, no ano da graça de 2010.

Foi quando levantei a vista e o vi ali, estático, à minha frente. Surpreendida pela aparição, imaginei que ele, por certo, teria escapado do vão estreito de seus estudos e trabalhos.

Era o que demonstravam seus olhos cansados e castanhos cujas pupilas dilatadas traziam um nítido pedido de socorro. Ciente de que eu compreendera a situação, ele respirou fundo e se atirou sobre mim, repousando a cabeça em meu colo – reino onde permaneceu inerte, sem dizer palavra.

Com o impacto, transbordei ternura e passei as mãos sobre seus cabelos – antigo mar negro que, aqui e ali, iniciara um flerte com o troféu cor prata concedido aos lobos.

Mas apesar da intensidade da entrega, a rendição não ultrapassou dois minutos. Obedecendo ao chamado interno que lhe convocava às suas tantas responsabilidades, ergueu-se resoluto como um soldado entrincheirado e, num átimo, partiu rumo ao escritório, localizado no cômodo ao lado.

Por uma fração de segundos, pensei ter ficado sozinha na madrugada gelada, mas logo me dei conta: seu perfume, talvez condoído pelo corte abrupto da cena, decidiu permanecer comigo numa solidariedade típica de aroma.

E a essência invadiu meus poros com sua dança cítrica.

E caiu na correnteza das minhas veias.

E irrigou meu coração, que, durante o restante da noite, e também por horas e horas do seguinte dia, bateu bêbado, em disritmia.

Goimar Dantas
São Paulo,
03 de junho de 2010.