quinta-feira, março 29, 2007

Porto inseguro




Porto inseguro


Um poema é devaneio.
Anseio.
Dor de saudade.
Navio, assim, à deriva.
É gosto de eternidade.
Poema é porto inseguro,
é grito alto no cais.
É partida e é regresso.
É também um querer mais.
Poesia é mar de palavras.
Mergulho na imensidão.
Nova explosão do universo.
Um bailarino sem chão.
Uma existência à procura...
Tradução de solidão.
Espaçonave que estoura
aos olhos da multidão.
É uma semente no ar.
E, às vezes, erva daninha
que sai de dentro da gente
e se espalha formando linhas.
É um amor que não deu certo
ou ainda uma ilusão.
Pra muitos – fratura exposta.
Pra outros – uma oração.
Poesia é veia pulsando
por tristeza ou alegria.
É soldado em plena guerra
lutando sem covardia.
Poesia é tempo pretérito,
é futuro e é presente.
É conexão que liga
os sentimentos das gentes.
Poesia é como o olhar,
como a janela da alma.
Um constante observar...
Por fim é retrato perfeito
dos poetas que se guiam
pelo que trazem no peito.

Goimar Dantas
São Paulo
22/02/07

Imagem: pôr-do-sol em Ilha Bela, acervo pessoal.

sábado, março 24, 2007

Vestido de chita





Vestido de chita

Sonhei com a cabocla de saia rodada,
cirandando com graça e poesia.
Tinha o corpo da cor da canela,
se vestia de chita e magia.
Requebrava tal Rita Baiana
e lançava feitiço com o olhar.
Mas se queria ferir fundo n’alma:
era só um sorriso esboçar...
Fez-se dona daquele ambiente,
tal qual brisa que domina o ar.
Era radiante como o sol!
Era mais bonita que o luar!
Tinha o mar no fundo dos seus olhos
(de ressaca que insiste em sugar:
outros olhos que cruzam com os dela
e se deixam pra sempre afogar...)
O poder das morenas sereias!
Dessas moças nascidas em aldeias...
Dessas lendas que vêm nos tomar.
São mais fortes do que se imagina.
Já deixaram de ser Macabéas,
(porque fazem bem mais que sonhar).
Heroínas de muitas platéias.
Hoje andam pela paulicéia.
Desenvoltas lutam sol a sol
E se cansam?
- Resgatam a Ciranda!
E de noite se põem a dançar!
Já não usam vestido de chita.
(mas ainda há magia e luar).
Como em aldeias longínquas, dispersas,
que tem, sim, um não sei quê de mar...
Que o sertão tem a honra e a graça
de chamar pelo nome de “olhar”.
E é dentro desse mar-olhar
que as morenas teimam em carregar
uma espécie de mundo encantando:
rio que desemboca em alto-amar!

Goimar Dantas
21/03/2007

Imagem: “Menina sentada”, 1943, pintura de Cândido Portinari.
Disponível em: http://www.portinari.org.br

sábado, março 17, 2007

Pedra do meio do caminho




Pedra no meio do caminho

Ah, essa tristeza de não parir poemas...
De não receber a rajada da inspiração.
Alma sangrando,
mar de vergonha e imensidão.
Meu peito busca
versos, estrofes, rimas, refrões.
Mas os lirismos se perdem no espaço.
E as rotas?
Não têm direção.
Eu, que estou sempre grávida de palavras,
perdi essa poesia no começo da gestação.
E agora,
por entre os dedos de minha mão
escorrem frases abortadas,
idéias natimortas,
criações inacabadas,
prematuras.
Resta a espera...
As lágrimas desesperadas
da mãe que vê o filho
através dos vidros da incubadora.
É fraco.
É pequeno.
É raquítico.
Mas não deixa de ser amado, desejado.
Assim é a vida de quem concebe poemas.
Às vezes, adormeço Drummond,
mas, quando acordo... Cadê?
Nada de "Sentimento de Mundo"!
Foi Adélia, rainha dos prados,
quem melhor definiu
a ausência de inspiração quando disse:
“Olho pedra e o que vejo é pedra mesmo”!

São Paulo
21/12/06

quinta-feira, março 08, 2007

O resgate de Alice


O resgate de Alice

Infância.
Âncora no meu peito-cais.
Ando sobre o píer do tempo e
embarco em veleiro
mareada num vaivém de lembranças...
Mundo mar.
Imensidão que está em
e para além de mim.
Sílaba-sina
formando meu nome.
Mar de maresia
Mar de marinha
Mar de marinas
Mar que é mistério,
mirante,
milagre.
E no meio da visão do meu mar,
um susto!
Uma criança se debate.
Me atiro nas águas para salvá-la.
Nado em desespero.
Estendo o braço.
Alcanço a pequena.
Consigo estendê-la na areia.
E, quando extenuada,
inundo-a com a avidez dos meus olhos,
eis que me reconheço...
Sou eu menina!
Que ainda respira.
Que insiste em vir à tona.
Aperto a criança em meus braços,
e ela logo se entranha ao meu sal.
Caio num sono profundo,
Alice marítima...
Encantada.
Ao acordar,
virei mulher novamente.
Agora uso saia-rodada.
E estou pronta
pra roda-viva
da vida.
É a menina dentro de mim...
Pretérito-mais-que-perfeito.
Meu presente.
Meu futuro.

GoiMar Dantas
Praia do Engenho
São Sebastião
Litoral Norte de São Paulo
19h38
Em 07/01/2007