sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Metáfora


Um barco remete à viagem,
ao porto, silêncio, saudade,
ao mar infinito e ao vento,
ao sonho de outras paisagens.

Barco é paixão de sereia,
sustento do bom pescador,
é verso e canção de Caymmi,
tem sempre uma história de amor.

O barco é refúgio pra ilha,
travessa para outro oceano,
roteiro para uma Odisséia,
de Ulisses que vai navegando.

O barco é o rumo da vida,
é descoberta do Oriente,
das Índias, das especiarias,
dos chás, dos tecidos, sementes...

O barco é a pirataria,
o saque, o gancho, o capitão
bandeira preta com caveira
(carrancas como assombração!)

Na proa, na popa, convés,
no mastro, no cabo, timão,
no casco, na vela, escotilha:
o barco é irmão da solidão.

O barco é a casa do herói,
que cruza sem medo oceanos,
desbrava, conquista, liberta
descobre, desvenda, desperta.

O barco é tema do poeta,
é rima, estrofe, canção.
É o Norte, tesouro, acolhida,
é tempestade e despedida...

O barco é um estar à deriva,
a vida e o seu vaivém,
um lindo quadro impressionista.
O barco é tudo o que se tem.

O barco me leva a Pasárgada
e lá sou a amiga do rei,
me deito com os homens que quero,
nas camas em que escolherei!

Goimar Dantas
Ilhabela (Litoral Norte de São Paulo)
17-11-2007

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Para o João



Seu Rosa não trouxe a rosa.
Essa eu peguei no jardim.

Seu Rosa trouxe a Vereda,
caminho, estrada sem fim.

Seu Rosa me deu neblina,
vestida de Diadorim.

Seu Rosa me deu Sertão,
vastidão dentro de mim.

Seu Rosa me fez olhar
no vão da filosofia.

Seu Rosa foi meu tutor,
meu instrutor e meu guia.

Seu Rosa é literatura.
Seu Rosa é mais que poesia.

Seu Rosa é nova linguagem
Seu Rosa é signo e é ar.

Seu Rosa é mais que palavra
Seu Rosa é chão para andar.

Seu Rosa é o meio do rio,
a margem e o pé de serra.

Seu Rosa é luz da fogueira.
Seu Rosa é linda quimera.

Seu Rosa é todo idioma,
dialeto sem fronteira.

Seu Rosa é todo o quintal.
Seu Rosa é a terra inteira.

Seu Rosa é religião,
fervor e fé na palavra.

Seu Rosa é minha oração
direção dessa jornada.

Seu Rosa é ódio, vingança
e um poço cheio de amor.

Seu Rosa é tudo, é “nonada”.
Seu Rosa é matéria em flor.

Seu Rosa é a diplomacia.
Seu Rosa é noite e é dia.

Seu Rosa é a força do verbo.
Minha Bíblia e Evangelho.

Seu Rosa é a eternidade.
Seu Rosa, em mim, é a saudade
do melhor livro que eu li
e do homem que eu nunca vi.

Goimar Dantas
São Paulo
24-02-08

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Sob o olhar de Maiakovski



(A renúncia de Fidel me remeteu a coisas datadas, antigas... Talvez por isso tive tanta vontade de postar este poema. Não sei ao certo quando escrevi, tudo indica que em 1993 ou 1994. Em plena faculdade de jornalismo, eu andava impregnada de vermelho, lendo autores russos e boquiaberta com as mudanças da transição no país de Dostoiévski).


Hoje meu espírito quis caminhar pela Rússia.
E ao passar sobre praças e ruas
jurei ainda ouvir, ao longe, o som da balalaica...
Quem sabe embalando os passos ritmados dos novos Nureiev
e também das jovens herdeiras de Isadora Duncan
(flores esguias desabrochando nos palcos).

Mas para além da dança,
é possível notar que o ar de todo o País ainda está denso, pesado,
eternamente marcado pelo Crime e Castigo do jovem Raskólhnikov.
Mesmo assim, os netos dos bolcheviques estão felizes.
Enquanto lancham no MacDonald’s,
nenhum parece sentir nada que remeta ao gosto acre das revoluções e lutas vividas por seus antepassados...

Já as mulheres russas ainda travam batalhas.
Nelas persiste a resistência, mesmo que desarmada.
Unidas, formam blocos uniformizados nas fábricas.

No olhar, um não sei quê de Ana Karênina.
Uma carência,
um querer mais,
um desejo secreto e intenso.
De certo, sentem falta dos seus Lenines...

Nas casas da Rússia, porões imaginários guardam foices e martelos.
Instrumentos que jazem enferrujados ao lado de ideologias mofadas.

À noite, na sala, impera o silêncio.
É hora de prender o fôlego e acompanhar,
sem piscar, o último capítulo da novela brasileira.

Tudo está mudado na Rússia.
Mas ao fundo, bem ao fundo,
ainda ressoa, baixinho, o som da balalaica...


Goimar Dantas – (1993-1994?)

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

O crime perfeito


Baco.
Baque.
Vinho.
Seco.
Taças.
Tilintares.
Taquicardia.
Torpores.
Tonturas.
Sinestesias.
Mãos frias.
Trêmulas.
Tensas.
Os gestos.
Os ritos.
Os versos.
Estrofes
formando
no ar:
poemas recitados para apenas um olhar.

Mais tarde,
lá fora...
O mundo, enfim, mergulhara
no mar de intensos delírios
que se chama Madrugada.

E nela eu rodopiava
com minha saia rodada...
E a boca toda enfeitada...
Vermelha, cor de carmim.
O meu cabelo desfeito...
Os cachos sobre o teu peito...
Compondo linda pintura
de inusitada aventura.

E ao lançar-me em teu mar
quebrei a tua armadura...
Estranha e antiga moldura
desfeita sem mais pesar.
Restou apenas desejo.
E a noite, em flor, foi-se abrindo
no espaço breve de um beijo.
No abraço bem apertado.
Na festa dos corações.
No ritual dos amantes:
crimes plenos de perdões
(aqueles sempre assinados
pela força das paixões).

Goimar Dantas
São Paulo
09/08/05

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Furacão Lírico




Para mim, o grupo Cordel do Fogo Encantado é um exercício de poesia permanente, uma ode ao lirismo. Uma força da natureza, capitaneada, de forma pertinente, pelo vocalista José Paes de Lira - mais conhecido como Lirinha. Já tive o prazer de de vê-lo em um de seus transes, num show inesquecível aqui em São Paulo, no Sesc Pompéia. Pena eu não ter encontrado as imagens de Lirinha declamando "Ai se sesse", maravilhoso poema de autoria de Zé da Luz, com a qualidade de áudio e vídeo que eu gostaria para postar aqui. Pena. Mas estou certa de que sua voz tão cheia de sotaque e de amor já dá uma idéia de sua potência no palco. Aliás, a força cênica de Lirinha merece ser vista, sentida, ouvida, dançada... Fica aqui a minha sugestão caso você goste, como eu, de mesclar poesia, música e teatro. Aprecie sem moderação.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Amores expressos



A atração foi instantânea.
Aquela troca de olhares traduzia o mundo
e a sensação dos dois era tão forte
quanto a intensidade que antecede a morte.
A pequena morte.
Séculos de desejo acumulado vieram à tona
porque embora não soubessem,
haviam sido amantes em encarnações sucessivas.
Comovido, o tempo parou para admirá-los
e ordenou que a eternidade
ficasse presa entre as frações de segundo.
Como resultado, o casal guardaria aquele instante na memória para sempre,
podendo voltar a ele sempre que quisesse.
E pela fenda infinita daquele olhar
eles se amaram com loucura...
Porém, segundos antes de chegarem ao clímax,
a porta do vagão lotado do metrô em que ele estava
se fechou abruptamente.
Atônito, o rapaz partiu.
Trêmula, ela permaneceu na plataforma...
No coração disparado de ambos,
uma só esperança:
quem sabe no dia seguinte,
àquela mesma hora,
naquela mesma estação...

Goimar Dantas
São Paulo
11-02-08


sábado, fevereiro 16, 2008

Caminhos do coração




O coração saiu pela boca,
atravessou a rua apressado
e, como estava cego de paixão,
não teve escolha
a não ser pedir carona ao castigo
(que vinha sempre a galope).
Juntos, foram até o fim do mundo
atrás do grande amor.
Anos depois,
ao encontrá-lo,
o coração finalmente apeou (do castigo)
e correu para os braços do ser amado.
Mas a emoção foi tanta
que minutos depois
dos primeiros beijos
o pobre coração não resistiu:
explodiu!
Desfez-se num jorro intenso de alegria...
E se a pessoa do Pessoa pudesse,
ao ver essa cena talvez dissesse:
“Tudo vale a pena,
se a vontade não é pequena”.

Goimar Dantas
São Paulo
15-02-08

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Discurso de autoridade



- Ei, moço!
Desfaz o nó dessa saudade,
antes que eu morra por falta de ar e de amor.
E para que eu volte a respirar sem perigo,
enlaça minha cintura,
me aperta contra o seu peito,
vira meu corpo do avesso,
rouba meus sentidos,
e me prende,
solitária,
em seu coração.
Depois, joga a chave fora.
E sem demora,
que eu tô mandando!

Goimar Dantas
São Paulo
17/09/05

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

O poente da poeta





Constelação insular
subverte a furta cor
das estrelas comoventes
entre o céu , o mar e o amor

As gaivotas silenciam,
os anjos dizem amém,
a natureza se eleva,
o Oriente inspira o Zen

Tudo fica mais bonito
o pôr-do-sol resplandece
e a lua que se aproxima
lembra que a vida anoitece


Goimar Dantas
Em algum dia de (1991-1992)?

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Free as a bird


Um passarinho veio agora me avisar
Que já é tempo de eu parar e respirar
O cheiro intenso do poente e da estação
Da Primavera brotando em meu coração

Um passarinho veio agora me contar
Que já é hora de eu sorver a sensação
O mar aberto me espera pra navegar
Não há motivos pra ver a vida passar

Um passarinho veio agora me dizer
Que a brevidade de tudo já foi provada
Perdi amores e amigos pela estrada
Seguir em frente é a chave do vir-a-ser

Um passarinho veio agora me mostrar
Que só me resta retirar os pés do chão
Pra experimentar por sobre a vida um novo olhar
De ir mais alto
Ir mais longe
Rumo à sorte
Nunca esquecer de que sou forte
(Eu sou do Norte!)

Um passarinho pousou pertinho de mim
me olhou nos olhos e cantou bem alto, assim:

“Vai junto ao vento
vai sem pensar
mira lá longe
para as bandas de acolá!

Veja o futuro...
começa agora
no vôo firme que inicias
sem demora”

Fechei os olhos
Agradeci
Sorri serena
por tudo aquilo que ouvi
Tive certeza,
naquele instante,
que o passarinho
era um anjo sibilante

Agora, sim!
Estou guardada
Daqui pra frente
somos eu, a jornada...
... E a cantoria
do passarinho
me dando forças
pra eu seguir o meu caminho.

Goimar Dantas
Praia de Genipabu
Natal – RN
14-01-08

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Diário de bordo







Vou poetando
Durante a vida
No mar aberto
E no sertão
Vou viajando
Pelas palavras
Às vezes desço
Nessa estação
O trem me espera
Já vou partir
Nas minhas rimas
Devo seguir
No sempre em frente
Dessa toada
Não temo seca
Nem invernada
Estou exposta
Nessa fronteira
Cheia de idéias
E confusões
Flerto com o tempo
Que é meu amigo
Me deito sempre
Com as ilusões
Nas madrugadas
Procuro estilos
Mas eles teimam
Em me afrontar
E nessa luta
Brava de foices
Termino sempre
Por me cansar
Mas vou lutando
Aprimorando
Quem sabe um dia
Eu chegue lá
Desço do trem
Vou de avião
E lá vai texto
Lá vem refrão
E quando vejo
Fica faltando
Só mais um porto
Barco sem chão
E então navego
Por oceanos
Seguindo o Norte
Do coração
E só então
Tenho certeza
Que a poesia
Já vai chegar
Minha alma canta
Vira uma festa
Minha alegria
Já não tem par
Tudo inebria
Tudo me encanta
Já não preciso
Mais esperar
Me arrumo toda
Passo perfume
Posso senti-la
Ao respirar
É a inspiração
Que eu procurava
E que eu acabo
De ver chegar

Goimar Dantas
São Paulo
25-01-08

domingo, fevereiro 03, 2008

A praia



(Para Uilson e Ladjane Pinheiro)

Daqui eu escuto o vento
Daqui posso ver o mar
As ondas quebrando forte
Sob as bênçãos de Iemanjá
Recebo, assim, o poema
Como se fosse oração
E a chuva caindo farta
Batiza essa criação
Agradeço pelo canto
(bem ao longe, da sereia)
Canção para a madrugada
Coroando a maré cheia
Por sobre a linda paisagem
Rito de contemplação
Falta apenas Dona Lua
(que fugiu para o sertão...)
É lá que ela está inteira
É lá que ela faz serão
bem juntinho das estrelas
brilhando na imensidão
E nesta praia, nas dunas
Mesmo sem ter o luar
Ganhei dos céus a poesia
Que celebra este lugar
Um universo de areia
Um pedaço de oceano
Cenário ideal de amores
Perfeito pra fazer planos
No rosto, o beijo da brisa
No corpo, o sal desse mar
No coração, a certeza
De que um dia vou voltar!

Goimar Dantas
Praia de Genipabu
Natal/RN
13-01-08