segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Sob o olhar de Maiakovski



(A renúncia de Fidel me remeteu a coisas datadas, antigas... Talvez por isso tive tanta vontade de postar este poema. Não sei ao certo quando escrevi, tudo indica que em 1993 ou 1994. Em plena faculdade de jornalismo, eu andava impregnada de vermelho, lendo autores russos e boquiaberta com as mudanças da transição no país de Dostoiévski).


Hoje meu espírito quis caminhar pela Rússia.
E ao passar sobre praças e ruas
jurei ainda ouvir, ao longe, o som da balalaica...
Quem sabe embalando os passos ritmados dos novos Nureiev
e também das jovens herdeiras de Isadora Duncan
(flores esguias desabrochando nos palcos).

Mas para além da dança,
é possível notar que o ar de todo o País ainda está denso, pesado,
eternamente marcado pelo Crime e Castigo do jovem Raskólhnikov.
Mesmo assim, os netos dos bolcheviques estão felizes.
Enquanto lancham no MacDonald’s,
nenhum parece sentir nada que remeta ao gosto acre das revoluções e lutas vividas por seus antepassados...

Já as mulheres russas ainda travam batalhas.
Nelas persiste a resistência, mesmo que desarmada.
Unidas, formam blocos uniformizados nas fábricas.

No olhar, um não sei quê de Ana Karênina.
Uma carência,
um querer mais,
um desejo secreto e intenso.
De certo, sentem falta dos seus Lenines...

Nas casas da Rússia, porões imaginários guardam foices e martelos.
Instrumentos que jazem enferrujados ao lado de ideologias mofadas.

À noite, na sala, impera o silêncio.
É hora de prender o fôlego e acompanhar,
sem piscar, o último capítulo da novela brasileira.

Tudo está mudado na Rússia.
Mas ao fundo, bem ao fundo,
ainda ressoa, baixinho, o som da balalaica...


Goimar Dantas – (1993-1994?)

Um comentário:

César Qúadros disse...

A Rússia sempre forte, mesmo na dor da derrota, na sensação de atraso, a força silenciosa do coração apaixonado, um povo apaixonado, uma lição de humanidade, coragem, ousadia talvez a última utopia. Quem amou esse desafio, transformou-o em realidade, viveu o seu tempo, e isso é o que importa. Um povo assim não fica estagnado por muito tempo....