segunda-feira, agosto 30, 2010

A morada de Mário


Detalhe das teclas do piano que pertenceu a Mário de Andrade. O poeta utilizava o instrumento para ministrar aulas particulares às moçoilas paulistanas, nas décadas de 20 e 30 do século passado.

Por mais diferentes que sejam as pessoas que entrevisto para o meu livro Rotas Literárias de São Paulo, todas têm algo em comum: o amor, a admiração e o respeito por Mário de Andrade, sem dúvida um dos artistas mais admiráveis que esse país já teve. Músicólogo, poeta, romancista, crítico de arte, pesquisador do folclore nacional e, não bastasse isso, um verdadeiro apaixonado pela cidade de São Paulo.


Outro ângulo do piano de Mário de Andrade...

Mário teve participação efetiva na histórica Semana de Arte Moderna de 22, que mudou para sempre o rumo das artes no Brasil. Foi um dos grandes pensadores e realizadores do cenário cultural brasileiro e paulistano, nesse último caso, por meio de seu trabalho à frente do Departamento Municipal da Cultura de São Paulo.



A casa de Mário de Andrade (primeira à esquerda), onde hoje funciona a Oficina da Palavra, fica no bairro da Barra Funda, na famosa Rua Lopes Chaves, tão presente em inúmeros de seus textos e poemas. Para saber mais sobre as atividades da Oficina, cujos cursos são todos gratuitos, clique aqui.


Fiz questão de fotografar a placa da rua.



Essa estante, juntamente com o piano, são os únicos objetos originais da época em que Mário viveu na Casa. Já os documentos, livros e demais móveis que compõem o acervo do escritor estão no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), na Universidade de São Paulo (USP).
A Casa, entretanto, é muito visitava por fãs do poeta, que desejam conhecer de perto o local onde Mário passava seus dias e noites: sempre escrevendo, tocando, registrando ideias, recebendo amigos.


Também visitei o porão da Casa, onde tive acesso a essas raridades: fotografias de Mário, à espera de patrocínio para uma exposição permanente.


Acima, vemos mais um quadro trazendo uma fotografia do poeta, envolta em plástico bolha, no porão da Casa...


Reproduções de fotos do autor de Paulicéia Desvairada e Macunaíma..

Este trabalho está me dando a oportunidade de conhecer o obra e a vida de Mário de forma mais detalhada, o que é ótimo. Tenho lido pilhas de livros dele e sobre ele. Um mergulho essencial numa personagem incrível e, por consequência, numa São Paulo mais lírica - que ele amava retratar em seus textos. Descobri um homem extraordinário, alvo de milhões de teses, livros, artigos, ensaios. Mais ainda falta alguém escrever "a" biografia de Mário de Andrade. Quem se habilita?

segunda-feira, agosto 23, 2010

Cordel na Cortez 2010



E essa vai para os amantes, apreciadores, curiosos e interessados nas artes que compõem a Literatura de Cordel! Começa hoje e segue até dia 28 de agosto o mais tradicional evento relacionado ao tema em São Paulo. É o Cordel na Cortez, que acontece na Livraria Cortez, localizada à Rua Bartira, 317, Perdizes.

Em sua sétima edição, o evento tem a coordenação do poeta Moreira de Acopiara e presenteia o público com uma série de palestras, oficinas, recitais, contação de histórias, entre outras atividades desenvolvidas por estudiosos, poetas, xilogravuristas, contadores de histórias e demais especialistas no assunto. Tudo isso regado a petiscos tipicamente nordestinos!

Achou pouco? Pois você ainda contará com a simpatia de toda a turma da Cortez, a começar pelo Ednilson Xavier, diretor-geral do evento, que só falta estender tapete vermelho pro público passar. Lá você também encontrará ele: o homem, o mito, o pop star José Xavier Cortez, que é o editor e livreiro mais badalado de São Paulo! Tá duvidando? Então, segura essa: só neste ano o homem foi tema de um documentário, uma biografia (que tive o prazer de escrever junto com a querida Teresa Sales) e um lindíssimo livro infantil intitulado Como um rio, de autoria da competente educadora Silmara Casadei.

É mole ou quer mais? Ok, ok, você quer mais... Então, simbora pra Cortez, homi! Tá esperando o quê?

Ah, para ter acesso à programação completa, basta clicar aqui.

Recomendo muito, muito, muito!

Confessionário



É raro escrever com tinta.
Geralmente eu uso sangue, suor e lágrimas.
Dói, mas o texto agradece.

Goimar Dantas
São Paulo,
16/08/2010

domingo, agosto 22, 2010

Bienal 2010


José Eduardo Agualusa, escritor angolano.

No último sábado, às 19h, na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, o escritor angolano José Eduardo Agualusa compôs ótima mesa de debates com o escritor moçambicano Mia Couto, ambos mediados pelo crítico literário Manuel da Costa Pinto. Foi uma maratona chegar à Bienal no sábado, penúltimo dia do evento. Havia milhares de pessoas no Pavilhão do Anhembi e juro por tudo quanto é sagrado que, na entrada do local, temi ser pisoteada. Aquilo estava um horror. Mesmo tendo convite e credencial, era preciso passar, primeiro, por uma entrada geral que, para o meu desespero, parecia afunilar toda a população da capital paulista. Mas, no final das contas, consegui não só sobreviver como também assistir as duas mesas mais cobiçadas do dia: a das 17h, com Lygia Fagundes Telles, e a das 19h, com os africanos Agualusa e Mia Couto.


Adorei o sorriso do escritor Mia Couto...

... e também gostei demais de suas reflexões sobre língua e literatura brasileira e africana. Aliás, Couto bateu um bolão com Agualusa. Os dois são amigos de longa data e a sintonia entre ambos era incrível. Parecia jogo de volêi: um levantava e o outro cortava. Quem ganhou foi o público que, por sinal, estava afiadíssimo nas perguntas - coisa rara em eventos dessa natureza. Por sorte, havia muitos pesquisadores e amantes da literatura africana na plateia composta por cerca de 200 pessoas.

Os escritores ressaltaram o fato de nos últimos 10 anos o Brasil ter dado mais abertura aos escritores africanos de Língua Portuguesa, cada vez mais presentes nas livrarias e eventos literários realizados no país. E Agualusa foi além: para ele, esse diálogo também se deve ao interesse do governo brasileiro em estreitar relações com o continente africano: "O presidente Lula viajou várias vezes à África durante sua gestão e isso, claro, contribui para o intercâmbio de informações entre os dois países", ressaltou.

O debate abordou, dentre outras coisas, os seguites temas: reforma ortográfica; observações sobre as diferenças e semelhanças entre Brasil e África; histórias vivenciadas pelos dois autores em nosso país (todas elas deliciosas, engraçadas, comoventes!); a parceria de ambos na elaboração de peças teatrais e o romance Milagreiro Pessoal, que Agualusa acaba de concluir. O autor falou, ainda, sobre a Editora Língua Geral, que mantém no Rio de Janeiro juntamente com outros dois sócios.

O momento mais emocionante, a meu ver, foi protagonizado por Agualusa que, ao ser questionado sobre a importância do escritor angolano Ruy Duarte, morto este ano, não conseguiu segurar as lágrimas: "Ele era um grande amigo. Há 20 anos venho batendo na mesma tecla: Ruy Duarte é um dos maiores escritores da Língua Portuguesa! Não me conformo com sua morte. Sem sua presença, Angola fica mais triste e escura", afirmou, com voz embargada.


Lygia Fagundes Telles: a grande dama

E antes da mesa de Couto e Agualusa, assisti, pela segunda vez nessa Bienal, uma palestra da grande dama das letras nacionais: Lygia Fagundes Telles, 87 anos. Lygia discorreu sobre seus romances, personagens, amores, fantasmas, invenções e memórias. A autora é uma grande contadora de histórias e é sempre um deleite poder ouvi-la. Na semana passada, a criadora de romances e contos, dentre os quais destaco o genial A estrutura da bolha de sabão, meu preferido, nos falou de suas lembranças com Monteiro Lobato - um dos homenageados da Bienal. Foi lindo. Usei o gravador digital e registrei tudo, mas também gravei suas palavras no coração, como tem de ser.


Lygia, mediada pelo crítico literário Manuel da Costa Pinto (à esquerda) e o jornalista Ubiratan Brasil (à direita).

Enfim, este ano só consegui ir à Bienal dois dias, e apenas ontem pude levar a máquina para exercitar meu lado "fotógrafa". Na minha primeira visita ao evento, no último dia 13, tive de usar o celular para fotografar. Ainda não baixei as fotos. Se ficarem minimamente decentes, prometo postá-las aqui.


E lá estava eu, quase 21h da noite de sábado, cansada, mas feliz da vida por ter assistido às palestras e, principalmente, por sobreviver ao tumulto na entrada do Pavilhão. Ao que tudo indica, escapei por obra e graça do Dr. House, santo protetor do dia, que você pode ver estampado em minha camiseta:)

segunda-feira, agosto 16, 2010

Tradição lírica



O advogado aposentado Armando Marcondes Machado Jr., um dos ex-presidentes do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco (USP), reuniu, durante 20 anos, um verdadeiro arsenal de informações sobre os 30 mil estudantes que, entre 1827 e 2006, se formaram nessa que é uma das faculdades mais tradicionais do país.

A pesquisa se transformou numa obra que, por assim dizer, tem um quê de proustiana, na medida em que é composta por 7 volumes e um livro extra(!), publicado em 2007, dessa vez agrupando informações e poesias dos poetas e prosadores que já passaram pelo local.


Alguns volumes da coleção escrita por seu Armando.

Machado Jr, conhecido por todos como "seu Armando", se dedicou ao projeto de forma apaixonada e abnegada. Sem ajuda financeira de qualquer espécie, em tempos pré-Lei Rouanet, patrocínios e afins, o advogado precisou esperar até a sua aposentadoria, de modo que tivesse a quantidade suficiente de horas para dedicar-se à empreitada.

Durante as duas décadas que o trabalho durou, seu Armando vasculhou pilhas de documentos e arquivos os mais diversos para levantar o máximo de informações possíveis sobre os estudantes e turmas que passaram pelas famosas arcadas da faculdade. Precisei me segurar para não chorar durante a entrevista porque, cinco minutos após iniciar nossa conversa, descobri, para meu deleite, que seu Armando foi colega de turma da escritora Hilda Hilst que, de acordo com a pesquisa de seu Armando, colou grau em cerimônia solitária, dia 19 de setembro de 1953, meses depois da maioria de seus colegas. É... Papai do céu é bom demais comigo. Amém.



Aqui e ali, a faculdade preserva bustos, fotografias de poetas, reprodução de versos em monumentos e documentos sobre os grandes autores que frequentaram o lugar. Alguns desses documentos, bem como objetos, estão expostos no pequeno museu que a faculdade mantém.


Estudantes se reúnem no pátio das arcadas mais famosas de São Paulo, em foto feita em abril deste ano.

Caminhar sob as arcadas do Largo do São Francisco é conectar-se ao espírito de grandes personalidades das letras nacionais. E não é pra menos. Basta conferir uma pequena lista de quem já estudou ali para sentir o lirismo que impera no local. Espia só a listinha: Castro Alves, Fagundes Varela, Bernardo Guimarães, José de Alencar, Raul Pompéia, Monteiro Lobato, Oswald Andrade, Vicente de Carvalho, Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst, Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari, Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia. Isso pra ficar, claro, só na esfera literária. (Nem me atrevo a falar dos 12 presidentes da república, governadores, senadores e empresários de sucesso que saíram das arcadas diretamente para o comando das principais instituições nacionais porque essa, como sabemos, é uma outra história).

Sem dúvida, a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco compõe uma trajetória indispensável para os que, como eu, são aficionados por colecionar memórias e histórias das rotas literárias de São Paulo.

domingo, agosto 08, 2010

domingo, agosto 01, 2010

O sonho, o santo e o sorriso


Dedico esse texto à dona Maria Onélia, minha mãe, que voltou a sorrir.



Sonhei que estava deitada, com minha mãe, numa cama de casal. Era noite alta e, no teto do quarto, havia um buraco enorme por onde víamos, abismadas, milhares de estrelas se movimentando em altíssima velocidade. Como carrinhos de bate-bate em celestial parque de diversões, elas aceleravam umas de encontro às outras, se espatifando com vontade e emitindo sons agudíssimos, semelhantes ao tilintar de cristais quando se quebram.

O brilho que produziam, em contraste com o negrume do céu, originava um espetáculo ímpar, capaz de emudecer qualquer criatura – até mesmo a mim e a minha mãe. E é bom que se ressalte que não há ninguém nesse mundo capaz de nos vencer em tagarelice. Mas o fato é que aquela radiante guerra nas estrelas surtia em nós um efeito paradoxal: uma paz nitidamente superior. Evidente que qualquer palavra soaria inútil.

Despertei na madrugada, maravilhada por sonho tão bonito. Pensei em pegar um papel e anotá-lo, mas desisti. Deduzi, afinal, que era impossível apagar algo assim da mente. Mas os meandros do subconsciente são mesmo indecifráveis. Tanto é assim que no dia seguinte acordei tomada pela sensação de que tinha tido um sonho deslumbrante, mas não conseguia me lembrar de nada. Sofri essa perda arrebatadora durante horas.

E então veio a noite, que me encontrou na livraria mais incrível de São Paulo. Lá, bisbilhotando a prateleira de poesia, deparei com um exemplar de Esse ofício do verso, de Jorge Luis Borges. O livro, que eu ainda não conhecia, é, se não me falha a memória, de 2007, e reproduz uma série de palestras proferidas pelo autor de Ficções na década de 60 do século passado. A obra é um acontecimento, uma vez que as tais palestras estavam em fitas cassetes descobertas apenas há poucos anos.

Comecei a ler o livro ali mesmo e, logo nas primeiras páginas, Borges fez uma de suas incomparáveis analogias, dessa vez usando a palavra “estrela”. Então, de imediato, recordei o sonho em sua totalidade. Meu coração, tamanha emoção e alegria, adquiriu peso de pluma. Respirei fundo, enchi os olhos d’água e agradeci, em pensamento, a esse que é um dos santos de minha devoção. Com a mente voltada à reverência, entoei: “São Jorge Luis Borges, obrigada pela graça alcançada. Amém”.

E embora o Jorge a que me refiro seja diferente do de Caetano, Fernanda Abreu, Benjor e de tantos outros, vale aqui a canção. E a intenção: