domingo, agosto 01, 2010

O sonho, o santo e o sorriso


Dedico esse texto à dona Maria Onélia, minha mãe, que voltou a sorrir.



Sonhei que estava deitada, com minha mãe, numa cama de casal. Era noite alta e, no teto do quarto, havia um buraco enorme por onde víamos, abismadas, milhares de estrelas se movimentando em altíssima velocidade. Como carrinhos de bate-bate em celestial parque de diversões, elas aceleravam umas de encontro às outras, se espatifando com vontade e emitindo sons agudíssimos, semelhantes ao tilintar de cristais quando se quebram.

O brilho que produziam, em contraste com o negrume do céu, originava um espetáculo ímpar, capaz de emudecer qualquer criatura – até mesmo a mim e a minha mãe. E é bom que se ressalte que não há ninguém nesse mundo capaz de nos vencer em tagarelice. Mas o fato é que aquela radiante guerra nas estrelas surtia em nós um efeito paradoxal: uma paz nitidamente superior. Evidente que qualquer palavra soaria inútil.

Despertei na madrugada, maravilhada por sonho tão bonito. Pensei em pegar um papel e anotá-lo, mas desisti. Deduzi, afinal, que era impossível apagar algo assim da mente. Mas os meandros do subconsciente são mesmo indecifráveis. Tanto é assim que no dia seguinte acordei tomada pela sensação de que tinha tido um sonho deslumbrante, mas não conseguia me lembrar de nada. Sofri essa perda arrebatadora durante horas.

E então veio a noite, que me encontrou na livraria mais incrível de São Paulo. Lá, bisbilhotando a prateleira de poesia, deparei com um exemplar de Esse ofício do verso, de Jorge Luis Borges. O livro, que eu ainda não conhecia, é, se não me falha a memória, de 2007, e reproduz uma série de palestras proferidas pelo autor de Ficções na década de 60 do século passado. A obra é um acontecimento, uma vez que as tais palestras estavam em fitas cassetes descobertas apenas há poucos anos.

Comecei a ler o livro ali mesmo e, logo nas primeiras páginas, Borges fez uma de suas incomparáveis analogias, dessa vez usando a palavra “estrela”. Então, de imediato, recordei o sonho em sua totalidade. Meu coração, tamanha emoção e alegria, adquiriu peso de pluma. Respirei fundo, enchi os olhos d’água e agradeci, em pensamento, a esse que é um dos santos de minha devoção. Com a mente voltada à reverência, entoei: “São Jorge Luis Borges, obrigada pela graça alcançada. Amém”.

E embora o Jorge a que me refiro seja diferente do de Caetano, Fernanda Abreu, Benjor e de tantos outros, vale aqui a canção. E a intenção:

6 comentários:

Anônimo disse...

tudo é lindo,romântico e màgico...o seu blog a sua mamãe e o seu sorriso.

bjo

poesia potiguar disse...

Muito obrigada pelas palavras tão gentis!

Volte sempre!

Zilmara Dahn disse...

Nem lembrava mais da minha mãe sem óculos...

Linda foto de vcs. Goimar e Onélia ORNANDO since 1972!


bjocas estelares!

Zill

poesia potiguar disse...

Ei, red hot chille pepper!

essa foto realmente "abala Bangu", né não?

adoro!

beijos!

Anônimo disse...

Assiti ao documentário Pan-Cinema Americano, sobre Wally Salomão, por recomendação sua.

Gostei muito.

Inventar um personagem social para si, não desistir do delírio, da ilusão, do amor às palavras, podem talvez substitir antidepressivos e evitar a perdição da lucidez - a lucidez da teatralização barroca.

Obrigado.

Trilha sononora :
"Ó abelha rainha, faz de mim um instrumento de seu prazer e de sua glória ( Caetano Veloso e Wally Salomão )

poesia potiguar disse...

Assistiu o documentário?

Que bom! Fico feliz que você tenha gostado. E que lindas suas palavras... No que depender delas, você é um dos que deverá passar longe de antidepressivos.

Obrigada por compartilhar suas impressões sobre o filme.

Inté.