terça-feira, junho 28, 2011

Confissões poéticas

"Saibam todos que fora da poesia me sinto sempre um intruso. Torno a repetir o verso de Banville: Je suis un poète lyrique! Sim, sou sofrivelmente um poeta lírico: porque não pude ser outra coisa, perdoai... ".

Quem disse isso foi Manuel Bandeira, no livro Itinerário de Pasárgada, mas bem poderia ter sido eu. Em qualquer dia, em qualquer hora, em qualquer lugar... Sei que é uma audácia sem tamanho se equiparar ao dedo mindinho de Bandeira (perdoai!!!!). Mas quando li isso não consegui deixar de pensar o quanto essa confissão se encaixa em meus achismos íntimos como uma luva.

segunda-feira, junho 27, 2011

Sherazade no Sport’s Garden



Quando eu tinha vinte e dois anos, uma garotinha me perguntou:
“- O que você faz no seu trabalho?”
Ao que respondi:
“- Sou jornalista.”
E ao ver a cara de ponto de interrogação da menina, tratei de completar:
“- É mais ou menos assim: visito lugares, converso com pessoas, pergunto um monte de coisas para elas e, depois, escrevo essas histórias, que são publicadas no jornal”.
E a menina, sábia, lançou à queima-roupa uma definição muito mais eficaz para minha profissão:
“- Ah, tá... Então você é contadora de histórias!”
...
Pois é. Acho que sempre fui contadora de histórias. A diferença é que agora posso usar muito mais do que a palavra escrita para narrá-las ao público. Além da pena, do papel e do laptop, utilizo brinquedos, músicas e objetos variados que se transformam em qualquer coisa ditada pela imaginação. É maravilhoso exercitar a palavra acrescentando recursos múltiplos como gestos, risos, trejeitos e cantigas de infância – provocando uma interação riquíssima com os públicos infantil e adulto.




Estou convicta de que o contato com essa nova aventura já está me ajudando muito na criação de novas histórias para meus próximos livros infantis. E nesta quinta-feira, dia 30, concluo meu primeiro curso oficial de Contação de Histórias, ministrado pela professora Patrícia Ribeiro, no Senac Aclimação(com direito à diploma e tudo mais!:) Já as fotos deste post são de ontem, quando tive a oportunidade de exercitar essa arte milenar para o pessoal do condomínio onde moro. Foi mágico, para dizer o mínimo. Dias antes, contei uma das histórias para meus filhos e também para um amigo deles, o Mateus, que estava aqui em casa. Quando acabei a contação, recebi do Mateus um dos maiores elogios que alguém pode ganhar de um pré-adolescente. Ele disse, com todas as vogais e muito mais: "Nooooooossa, meu... Muuuuuuuuuito "da hora"'. Pra todo resto, tem Mastercard.



terça-feira, junho 21, 2011

Menina nonagenária



Dona Lourdes, vó do maridão, é uma menina de 90 anos: levada, ágil, marota e maliciosa. Vez ou outra, puxa a gente pela manga para nos contar, em sussurro, bem ao pé do ouvido, um disse-me-disse qualquer. Sá Lourdes, como é conhecida, gosta de dormir até meio-dia, como um bom adolescente. Sempre que assiste novela, discute ardorosamente com os personagens, como se esses pudessem, de fato, escutar suas reclamações. Não raro, discorda do roteiro, do texto, dos temas e dramas criados pelos autores. Nessas horas, põe o dedo em riste e, em meio ao chiste e ao caipirês fluente, passa um sabão na mocinha da trama, soltando pérolas assim:

“- Ôooo, ma qui muié burra!!!! Não vê qu’ele tá traindo ocê?! Ma é tonta demais da conta!”. E meneia a cabeça, consternada com a atitude xexelenta da protagonista do folhetim.

Aos 89, voltou a fumar porque... Bem... Com essa idade, não vê mais necessidade de se privar dos vícios. Sá Lourdes teve uma penca de filhos, netos e bisnetos. O marido era por demais chegado na “marvada” e, por conta disso, coube a ela sustentar a filharada no cabo da enxada, na lida diária dos cafezais do Sul de Minas Gerais.

No último domingo, na pequena cidade de Artur Nogueira, interior de São Paulo, onde hoje mora com a família, Sá Lourdes estava altiva e radiante ao som de duplas caipiras e conjuntos musicais que têm no forró seu estilo predominante. A festança comemorava os 90 anos da matriarca. E na hora do arrasta-pé, como era de se esperar, Sá Lourdes deu um baile em muita gente. Na entrada da festa, recebia os amigos e parentes com um abraço apertado, sorriso largo e curiosidade indisfarçável pra saber qual era o presente trazido pelo convidado.

Ah, Sá Lourdes... Se todos os personagens fossem iguais a você, que maravilha viver!



Ps: antes tarde do que nunca, estou atualizando o post com essa nova foto da hora do bolo, reunindo Sá Lourdes, alguns de seus netos e uma bisneta (clique pra ver ampliada). Tudo pra Sá Lourdes ficar mais feliz. Explico: é que ela detestou a foto em preto e branco. E não custa eu tentar me redimir, não é?

sexta-feira, junho 17, 2011

O pedido





Dei à luz a um menino que é ponte, estrada, caminho. Dádiva do destino. Benção da cor morena. Minha letra, meu fonema. Misto de céu e chão. Estratagema, poema. Diálogo e discussão. Tema do meu sermão. Minha fé, minha oração. Sete notas musicais. Meus suspiros e meus ais. Sino tocando no ventre. Balada no peito: concerto. Meu avesso e meu direito. Meu bilhete para a lua. Meu herói e meu vilão. Minha praia e meu sertão. Meu rito, feitiço, vício, conexão e extensão. Meu São Jorge e meu dragão. Estética e poética. Retórica e silogismo. Som e fúria. Repertório de ternura. A razão e o coração. A alma e a intuição. Partitura, receita, equação, solução. Ritmista e equilibrista. Skatista em minha pista. Billy Eliot: dançarino. Porto, navio, desvario. Esfera, quadrado, compasso. Meu traço, meu nó, meu laço. A veia e o verso. O texto e o contexto. O sonho e a vertigem. Enigma e signo. Lenda, verdade, ansiedade. Grito de liberdade. O tempo e o vento.
E tudo isso dito, eu poderia apenas agradecer... Mas ainda tenho um pedido a fazer:

“ -Salta uma juventude no capricho que o meu menino hoje faz 15 anos. Saúde, meu filho. Saúde!”.

terça-feira, junho 14, 2011

Non ducor duco *

Não dirigir automóveis tem suas vantagens. A principal é a liberdade de poder olhar paisagens e pessoas com atenção redobrada. Ser passageira permite observar e absorver as dores e delícias do caminho em toda a sua plenitude de sinais, cores, aromas e sensações. Também possibilita reconhecer personagens em meio às calçadas, faixas de pedestres, interiores de ônibus e carros que trafegam ao lado.

E se estou no trem ou no metrô, tanto melhor. Com olhar invasivo, percorro o corpo, as vestes, os trejeitos, os defeitos, a luz e a lama dos companheiros de vagão e dos transeuntes da estação. Para eles crio histórias, trajetos líricos, memórias, dramas, romances, poesias. Deixo que transcendam, surpreendam, multipliquem. Quando dou por mim, quem os está conduzindo sou eu.

Inventar histórias é um jeito todo próprio de brincar de Deus.

*A frase em latim Non Ducor Duco aparece escrita no brasão da cidade de São Paulo e significa “Não sou conduzido, conduzo”.

sábado, junho 11, 2011

Aula

“(...) em literatura a poesia está nas palavras, se faz com palavras e não com idéias e sentimentos, muito embora, bem entendido, seja pela força do sentimento ou pela tensão do espírito que acodem ao poeta as combinações de palavras onde há carga de poesia”.

Manuel Bandeira, em Itinerário de Pasárgada, Editora do Autor, 1966, Rio de Janeiro. Exemplar nº 0749.

quinta-feira, junho 09, 2011

Navalha na carne

Hoje um vento estilo navalha vasculhou meu rosto atrás de não sei o quê. E o fez com uma agressividade tão avassaladora que me transfigurou logo à saída do metrô. Não tenho noção do que fiz para ele me retalhar/retaliar desse jeito. Mas deve ter sido grave. Muito grave.

quarta-feira, junho 08, 2011

Ligações perigosas

Fui atropelada por uma história. Não quebrei nada, mas fiquei com os movimentos bastante comprometidos. Tornei-me desprovida de flexibilidade para realizar qualquer outra coisa que não seja transformá-la em palavras. Não sinto dores atrozes, mas existe, sim, muito desconforto. É como se estivesse traindo a história anterior, a mesma com a qual já estou oficialmente casada há quase três anos. Fico aqui tentando dar conta das duas, cruzando agendas, inventando desculpas para a história oficial – que vive cobrando minha presença, dedicação, afeto, comprometimento, entrega. Mas a nova narrativa é tão sedutora... Tão cheia de vida, de charme, de possibilidades. Impossível resistir.

Na verdade, estou convencida de que amo as duas. No caso da titular (aquela cujo contrato de publicação já está assinado), lembro com amor imenso de cada detalhe de nossa relação: a redação do projeto, a procura por editora, o longo período de pesquisas – que parece nunca se esgotar –, os fichamentos, as dezenas de entrevistas feitas, as horas intermináveis de transcrição, as fotografias, os lugares visitados e, finalmente, a redação dos primeiros textos. Penso nela em demasia, quero voltar aos seus braços o quanto antes, mas o poder de atração da nova história é tão impressionante que simplesmente não consigo deixá-la, mesmo sabendo que é pura incerteza, tiro no escuro, frio na barriga... Investimento numa relação sobre a qual ainda não existe nenhuma garantia de futuro.

O fato é que não me resta alternativa a não ser vivenciar esse amor simultâneo por duas histórias completamente díspares com aquela frase clássica do personagem cafajeste interpretado por John Malkovich no filme Ligações Perigosas: “It’s beyond to my control”.

Mas já que pareço perdida, aproveito a encruzilhada para refletir: além do estresse diário, qual a pena para um escritor/escritora que se relaciona de maneira descarada com duas (ou mais!!) histórias ao mesmo tempo? Seria a loucura? O medo constante de não concluir nem uma história nem outra? O pavor de criar dois textos capengas? E já que toquei no assunto... Não seria a própria “pena” o destino de todo escritor?

Pois é. Que atire a primeira pena quem nunca cobiçou a história sedutora que passa ao lado, jogando charme.

domingo, junho 05, 2011

Um desejo


Moça com livro, de José Ferraz de Almeida Júnior (sem data).

Não tenho a menor de ideia de como ou quando irei fazê-lo, mas o desejo de me inscrever num curso de História da Arte cresce a cada dia. Ontem ele se tornou ainda mais agudo, uma vez que fomos à Pinacoteca conferir a exposição comentadíssima (que infelizmente termina hoje) da artista portuguesa Paula Rego. Uma experiência impressionante, forte, inesquecível.

E como sempre acontece quando vamos às exposições realizadas ali, na saída demos uma passadinha na irresistível lojinha do Museu. Além de comprar o catálogo das obras em exposição permanente (pelo qual paguei a bagatela de dois reais), também adquiri um exemplar do livro Almeida Júnior - Um criador de imaginários, contendo cronologia e detalhes da vida e obra do renomado pintor brasileiro. Comecei a ler nesta madrugada e já me dei conta de que foram os 15 reais mais bem investidos dos últimos tempos.

Diferentemente de Paula Rego, cujo estilo é de viés contemporâneo, sempre abordando temáticas absolutamente perturbadoras, Almeida Júnior, nascido no século XIX, segue a linha clássica, com destaque para sua indescritível habilidade para utilizar o jogo de contrastes entre luz e sombra. Gosto de tudo, mas não escondo meu carinho especial pelas telas que se debruçam sobre o tema da leitura, como a que escolhi para ilustrar este post, e também pela lindíssima Saudade. Para saber mais sobre o pintor e seus quadros, basta clicar aqui.

sexta-feira, junho 03, 2011

Perdas

Na última quarta-feira perdemos Khadija, a cachorrinha do meu filho. A esperta vira-latas vivia no Sul de Minas, na casa da minha sogra. Lá, além de amor, desfrutava de mais espaço e liberdade – como tem de ser. Aos nove anos, era considerada uma idosa para o universo canino. Mas saber disso não traz nenhum alento. Queríamos mais é que fosse eterna, desejo que se repete com tudo e todos a quem amamos.

No mesmo dia perdi, ainda, o primeiro ídolo musical da minha infância. O cantor espanhol Manolo Otero, por quem me apaixonei perdidamente durante fase madura e altiva que coincidiu com a terceira-série primária. Lembro de que infernizei meu pobre pai durante semanas, até que ele se rendeu e me presenteou com o disco do charmosíssimo galã romântico. Nunca entendi como aquele vinil não furou na faixa que continha a canção Vuelvo a ti, que eu ouvia umas duzentas vezes por dia.

É fato: criaturas queridas morrem ou simplesmente vão embora; casas se deterioram ou são demolidas; árvores nas quais subíamos na infância são arrancadas devido à expansão imobiliária e escolas guardam de nossa passagem apenas a cópia amarelada de um histórico cujas notas jamais poderão traduzir as descobertas, alegrias, decepções e sonhos vividos ali.

Ao fim de tudo, o que resta? O que fica? O que não se perde? Sentimento. Memória. História. Por isso escrevo, registro, conto. E ressalto: o ponto final não passa de um bobo sinal gramatical.

quinta-feira, junho 02, 2011

Loucomotivo

Escrever,
cortar,
escrever,
cortar,
escrever,
cortar,
escrever,
cortar.
...
Esse é o único apito
que meu trem sabe tocar.