terça-feira, junho 14, 2011

Non ducor duco *

Não dirigir automóveis tem suas vantagens. A principal é a liberdade de poder olhar paisagens e pessoas com atenção redobrada. Ser passageira permite observar e absorver as dores e delícias do caminho em toda a sua plenitude de sinais, cores, aromas e sensações. Também possibilita reconhecer personagens em meio às calçadas, faixas de pedestres, interiores de ônibus e carros que trafegam ao lado.

E se estou no trem ou no metrô, tanto melhor. Com olhar invasivo, percorro o corpo, as vestes, os trejeitos, os defeitos, a luz e a lama dos companheiros de vagão e dos transeuntes da estação. Para eles crio histórias, trajetos líricos, memórias, dramas, romances, poesias. Deixo que transcendam, surpreendam, multipliquem. Quando dou por mim, quem os está conduzindo sou eu.

Inventar histórias é um jeito todo próprio de brincar de Deus.

*A frase em latim Non Ducor Duco aparece escrita no brasão da cidade de São Paulo e significa “Não sou conduzido, conduzo”.

4 comentários:

Lúcia Rocha disse...

Pôxa, que delícia de texto. Bom demais deixar-se conduzir numa cidade como São Paulo, também adoooro esse programa de índio. Sei muito bem o que é isso. É quando andar de ônibus ou metrô é algo extraordinário. Mas nem todo mundo pensa como a gente. Parabéns!!!

poesia potiguar disse...

Lúcia, querida!

Que honra sua visita por aqui!! Fiquei feliz demais! Você é uma fonte inesgotável de histórias e e, claro, sabe o quanto é bom e essencial "observar e absorver" personagens por aí.

Parabéns pra nós!

Anônimo disse...

Muito legal.

( O latim é um perigo...rs...Quando um "non ducor duco" começa a ficar mais sedutor que "I ain´t guided, but guide", tome cuidado, são sendas sem volta )

W.F

poesia potiguar disse...

WF,

é verdade. Vivo flertando com o Latim, mas ele nem "tchuns" pra mim. Eu acho o danado um charme, embora ainda seja, para mim, inacessível.

Agora, sobre o inglês, veja mais essa pérola de Bandeira, em Itinerário de Pasárgada: "... sempre achei que dos idiomas que conheço o inglês é por excelência a língua da poesia: tudo se pode dizer em inglês e a ternura mais desmanchada nunca mela".

Só ele pra dizer "nunca mela" com classe. Só ele.