quinta-feira, novembro 22, 2007

Drummondiana



Joguei pedrinhas
Rodei ciranda
Pulei a corda
Com pernas bambas
E no pique-esconde
E na queimada
Eu era tudo
E hoje sou nada...
Será???

Virei a curva
da inocência
Perdi o bonde
do seu frescor
Ganhei as rugas
da incoerência
Cabelos brancos
pelo pavor
De não ter mais
como voltar
De não ser mais
o “eu” da infância
de não lembrar
o que é pureza
De não perder
a esperança

E o que restou?
Restou memória
Poeira e estrada
Chão batido
Mão calejada...

E sentimento
E valentia
E liberdade
E mais-valia
E o lucro certo?
Quem sabe, um dia...

Mas vida é gana
Mas vida é sorte
Mas vida é choro
saudade
morte
E tudo é drama
Tudo é poesia
E tudo é graça
Tudo euforia...

E tem chegada
E tem partida
E longo abraço
de despedida
E vela acesa
E meio-dia
E correnteza
E calmaria

E é sempre a busca
Daquela chama...
Da alma em brasa,
Do amor de fato
Crime perfeito!
Vapor barato...

E noves fora?
Pensando bem...

Eu sou a soma
Desse passado
Dessa distância
Desse contexto
Da circunstância!

Eu sou o lá longe
Eu sou a cana
Eu sou o trago
Eu sou a lama
Eu sou a estrela
E a tempestade
O céu mais claro
Eu sou vontade!

Eu quero é mais
Eu sou mais forte
Eu sou sertão
Eu sou do Norte
Eu sou o poço
Que não tem fundo
Eu sou o quintal
Eu sou o mundo

Eu vim de lá
(pequenininha...)
Eu sou o peixe
Eu sou a espinha
Eu sou o agora
Eu sou o futuro
Da minha história
Eu sou murmúrio
Eu sou o grito
Eu sou o compasso
Eu sou a dança
Eu sou o laço

Eu sou o espaço
E o infinito
Desse oceano
um ledo engano!

Eu sou carícia
Furor selvagem
Eu sou sambista
E a malandragem
A fina estampa
Dessa cidade
A miscelânea
desse país!

Eu sou artista
Eu sou poeta
Eu não me escondo
Eu estou na Praça!
Eu sou mistura
de toda a raça...

E eu sou Paulista!
Consolação
A Ipiranga
A São João...
O cruzamento
Farol aberto
O andarilho
sem rumo certo.

Eu sou resumo
Dissertação
Sou argumento
Composição...
E aqui defendo
a minha tese
De ser palavra
De amar a verve!

E não importa o quando:
sou verso livre
filosofia
da confusão
Não sei contar
me perco sempre
não tenho senso
de direção...

Nas minhas veias
vivem os versos
E no meu nome
carrego o mar
Eu tenho fome
de todo o livro
Eu tenho sede:
de saber narrar
Eu sou o Verbo
Sem vã lembrança
Tudo sou eu
E tudo é nós

E ao fim da vida
talvez sejamos
subprodutos do
do que já fomos
tosco rascunho
do que seremos
Transe terrestre
Cafés pequenos...

E dia a dia
Sigo buscando
Essa criança
que está brincando
Essa menina
que está sorrindo
Com suas pedras
pelo caminho.
Goimar Dantas
São Paulo, 21/11/07

Imagem: Crianças brincando de roda, Hans Thoma (1839-1924) - (Der Kinderreigen, óleo sobre tela, 115 x 161 cm) – 1872

Um comentário:

Zilmara Dahn disse...

Lindo. Lindo.
Principalmente quando diz que não sabe contar e não tem senso de direção.
Tá no sangue!
We rock!