quarta-feira, março 05, 2008

Sobre "meninos" e "meninas" da literatura







A literatura contemporânea no Brasil traz algumas boas promessas. Muita gente tem aparecido nos últimos anos e já começa a se firmar no patamar dos novos autores nacionais. Gosto de pensar que temos jovens que se destacam não só por seu texto, mas pela vontade de tornar a seara das letras mais acessível à população. Muitos assumem o papel de agitadores culturais, organizando debates e eventos de forma incansável, o que é sempre positivo.

É difícil eleger os preferidos quando o caldeirão apenas começa a fervilhar, mas arrisco dizer que dentre os “meninos” meu voto vai para Ricardo Lísias, com o seu ótimo Anna O. e outras novelas, Editora Globo. Já garanti o meu exemplar autografado, claro. O moço é muito tímido, mas nada que algumas taças de vinho não resolvessem no dia em que fui vê-lo falar – coisa rara de acontecer, já que Lísias se confessou um tanto avesso às badalações literárias. Fazia muito tempo que eu não via alguém ficar tão vermelho a cada dois minutos. Mas o que verdadeiramente importa é a completa ausência de timidez no texto do rapaz. Achei a novela O capuz especialmente arrebatadora, maravilhosa... Embora também tenha considerado Anna O. sensacional. Não é à toa que a respeitada acadêmica Leyla Perrone-Moisés incensa o “menino” até não poder mais no posfácio da obra.

Agora, entre as “meninas”, penso que não há nada que se compare à vigorosa prosa poética de Adriana Lisboa. A cada novo livro ela nos presenteia com textos lindíssimos justamente porque oferecem às palavras o tratamento que elas, literalmente, merecem. Sua publicação mais recente, Rakushisha, Editora Rocco, é um deslumbre e um exemplo disso. Uma ode à sensibilidade. Adriana escolheu o Japão como pano de fundo da história de Haruki e Celina, cujas vidas se cruzam de forma definitiva em um vagão de metrô do Rio de Janeiro. Ilustrador e descendente de japoneses, Haruki decide ir ao País do Sol Nascente na tentativa de empreender uma busca às suas origens, ao seu “eu” mais ancestral. A desculpa é estudar melhor a obra do poeta nipônico Matsuo Bashô, uma vez que Haruki é escolhido para ilustrar a edição brasileira da obra Saga Nikki, traduzida como o Diário da Saga – escrita por Bashô nos arredores de Kyoto, mais precisamente num lugar chamado Rakushisha – a cabana dos caquis caídos.

Em meio a tudo isso, a misteriosa artesã Celina parece não ter mesmo nada a perder no Rio e acaba partindo com Haruki para o Japão. Nas mãos habilidosas dos dois personagens desenhos e tecidos dão vida aos seus pensamentos, à beleza e também à tristeza que trazem na alma... Uma trama na qual o leitor envereda com suavidade e submissão orientais.

Adriana opta por uma estrutura de texto diferenciada que lembra um diário, mesmo abrindo mão de um fio narrativo linear. Ganha o leitor uma vez que o vaivém das histórias empresta um suspense delicioso a essa trama que obedece a um fluxo de pensamento muito peculiar. Uma viagem em todos os sentidos, sempre conduzida pela poesia das lembranças, memórias, sentimentos, desejos, traumas e confusões das personagens.

Eu poderia ter lido Rakushisha em algumas horas, mas demorei dias para fazê-lo. Quis sorver cada parágrafo devagar e não raro relia os mesmos trechos três, quatro vezes, tamanha a atração avassaladora que as palavras de Adriana exerciam sobre mim.

Ganhei o livro no meu aniversário. E não poderia haver presente melhor.




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