quinta-feira, outubro 25, 2007

A verdadeira história de Iansã



(Uma tragédia em três atos)



I ATO

Tudo estava sereno na terra,
até você decidir me deixar.
Ao acordar e ver a nuvem vazia,
logo entendi:
você finalmente desistira de me domar...



II ATO

Fiquei possessa com a sua covardia
e gritei sob a forma de trovões!
Imediatamente, planejei minha vingança:
enfiei a mão no peito
(que já ardia de maneira insuportável)
e de lá arranquei milhões de raios.
Autoritária, ordenei que eles
descessem à Terra.
Pior: exigi que eles te partissem
em mil pedacinhos.
Mas, ao atravessarem a atmosfera,
eles adquiriram
vontade própria
e preferiram, apenas,
te iluminar.
Viraram clarões que te acenam,
luzes bem fortes que encenam
os flashs do meu amor...
Então, virei tempestade,
um tormento de saudade,
chuva forte e ventania,
que desemboca no mar...
Esse sim, um bom amante,
sempre disposto e ofegante,
sem medo de transbordar...

III ATO

Mas mesmo assim, ainda penso
no poder do teu abraço,
na doçura do teu beijo,
nesse amor que não tem fim...
Então, do mar me despeço,
subindo aos céus novamente
pra me desfazer em raios
quando o meu peito sangrar...
E, assim, vou ferindo a Terra
nessa minha fúria cega
que é filha da dor de amar.


Goimar Dantas
São Paulo
25/10/07

Imagem disponível em: http://www.aquarioarte.com.br/portfolio/arte/iansa.jpg

segunda-feira, outubro 15, 2007

As montanhas mágicas


Um universo verde me invadiu.
Estou em Minas.
Montanhas me recebem
de horizontes abertos
e rios correm para me saudar.
Mas antes que me alcancem,
flerto, obscena,
com o barro vermelho
(amante feito de matéria macia,
substancial...)
Ele se lança sobre mim possessivo,
na rua,
na relva,
no quintal...
Eu finjo certo recato
e, para excitá-lo ainda mais,
digo, cheia de malícia:
“Não, não... Vou sujar minha saia rendada se me deitar com você aqui... Não, por favor, não...” (e outras desculpas esfarrapadas e femininas).
Dá certo.
E ele vem mais forte,
cheio de desejo e,
com a ajuda do vento cúmplice,
sobe pelas minhas pernas
e vai se entranhando à minha pele.
Em pouco tempo,
somos um.
Artista e escultura.
Barroco sagrado e profano.
Mas a energia de Minas me deixa insaciável
e, então, sigo para me banhar no rio,
o mais criativo dentre todos os amantes.
Com ele, conforme já disse o filósofo
(usando outros termos):
A experiência nunca é a mesma...
O ritual se completa
com o passeio entre as árvores.
Amores impressionistas que me cercam,
me abrigam,
me afagam...
Folhas e flores roçam meu corpo
em carícias incessantes
(como um pincel sobre a obra-prima).
Agora sim,
sou parte da paisagem.
Respiro fundo,
tão fundo que me torno ar.
Flutuo,
vôo,
Liberdade, ainda que tardia!
De repente,
olho pra dentro de mim
E o que descubro?
Minas inteiras de palavras-preciosas
Estou rica
Poemas brilhantes brotam do meu peito
Inconfidências bem-vindas
Mas eu perco a cabeça...
e revelo romances em demasia
De repente,
me vejo exposta
em praça pública
(como Joaquim José da Silva Xavier)
Porém, nas Minas paradoxais,
esse ritual me faz viva, feliz.
Regresso à terra de São Paulo grávida,
renovada.
Por todo o caminho,
as montanhas me acenam,
eucaliptos me perfumam,
ipês floridos fazem festas para meus olhos...
Uma vez mais,
é hora de contar com o vento.
Cabe a ele soprar a melodia
que anuncia,
para breve,
o nascimento de mais uma poesia.
Riqueza concebida na terra,
no ar
e nas águas das Minas.
Das Minas Gerais.

Goimar Dantas
Santa Rita do Sapucaí
Sul de Minas Gerais
13/10/07

Imagem: foto de Hélio Mello, disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/images/sinapse02_20.jpg

sexta-feira, outubro 05, 2007

Balada para amores impossíveis



À memória de Romeu e Julieta,
Abelardo e Heloísa
Riobaldo e Diadorim
Florentino Ariza e Fermina Daza



Conheço seus sentimentos
Sempre entendi seus motivos
E sobrevivo à distância
que te afasta, assim, de mim.
Mas sei que vivo em seus sonhos
Que moro em seus pensamentos
Povoando os seus silêncios
E as curvas do seu sorrir

E eu sei que você percebe
O porquê do descompasso
Em todas as nossas músicas
Em todos os nossos passos...
Raras noites
Poucos dias
Tanta estrada
Muita ausência
E sempre um mar de saudade
E sempre a mesma sentença:
“Agora não. Só mais tarde...”
(Frase que é vil veneno
Um tipo de porto e cais
Em que os amantes se acenam
E onde soluçam seus ais).

E esse vazio em seu peito
E as minhas tristes poesias
Se encontram de vez em quando
Numa mesma sintonia
No sonho
Na tempestade
Nas quatro fases da lua
No vento que envolve a noite
Na esquina de toda a rua...
No universo paralelo!
Na curva de cada hora
Na duração desse inverno
No entardecer e na aurora...

E o sol podia brilhar
E a estrela nunca cair
E a maldição desse agosto
Deixar, assim, de existir...

Mas esse amor sem fronteiras
Gigante continental
Ocidente e oriente
Stonehenge ancestral
Nasceu com força de chão,
calor e intensa poeira
vulcão prestes a jorrar...
Força bruta, correnteza.
Eco de desfiladeiro
Labirinto de incerteza
Alegria e Carnaval
E a cinza da quarta-feira...

E enquanto o Tempo se mostra
Senhor do nosso querer
Deus de todas as vontades
Um sonho do vir a ser
Você vai virando a página
Do livro da juventude
E eu vou compondo linhas
Desses versos, amiúde
Sina de todo poeta
Destino
Fado
Refrão...
Balada
Estrofe
Cantiga
Reza
Grito
Oração
Filosofia
Poesia
Doutrina
Religião
Fé cega
Que só obedece
Ao Deus boêmio e divino
que atende por Coração.

Goimar Dantas
São Paulo, 05/10/07