sexta-feira, novembro 10, 2006

O amor nos tempos da cólera




O amor nos tempos da cólera

Esperei que ele ligasse.
Minha juventude também.
Um dia, porém, nós duas nos cansamos.
E as dúvidas deram lugar às rugas.
Envelheci .
Quando, finalmente, ele decidiu me procurar,
eu já usava bengala devido à osteoporose .
Foi numa tarde do outono da minha vida .
Soou a campainha .
Abri a porta e ele estava lá.
Careca, pálido, enrugado.
Engoli o susto e disse, ranzinza:
-“O que foi?! O que você quer?!”
E ele: -“Perdão pela demora. Você é o meu grande amor”.
Mandei o velho passear.
E bati a porta – o coração dilacerado, a alma em febre.
Poucos dias depois, morremos os dois, de desgosto.
Ao chegar ao céu,
Nossas almas readquiriram o frescor jovial.
Fiquei linda de novo e me engracei com Vinícius de Moraes,
apenas para enciumar meu verdadeiro amor.
O poetinha nada sabia e me dedicou poemas
lindos que ele soprava no ouvido de
um jovem escritor carioca.
Mas meu plano vazou
e fui chamada por São Pedro -
que me passou um “sabão”.
Vi o quanto estava sendo infantil e estúpida.
Perdoei meu velho amor.
E expliquei tudo a Vinícius que, a bem da verdade,
já estava de olho em outro rabo de alma, digo, de saia.
Vivemos felizes para sempre e o autor de
“Soneto do amor total”
passou a poemar sobre nossa história.
Mas, desta vez, soprando
versos e estrofes no ouvido de uma
moça potiguar.
E foi assim que nos tornamos sucesso.
Repente de cordel,
filme premiado,
enredo de novela,
tema de exposição.
Passo novo de xaxado,
melodia de baião.
E no céu, sempre que os escritores
nos viam repetiam
a máxima de Fernando Sabino:
“E no final, tudo vai dar certo
e se não der certo é porque não chegou ao final”.

Goimar
Santa Rita do Sapucaí
30/04/06

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