domingo, novembro 09, 2008

Uma potiguar na Portobello Road



A profusão de pessoas lembra à da Rua 25 de Março, em São Paulo. Entretanto, as semelhanças entre a feirinha de antiguidades londrina da Portobello Road e a principal via comercial paulista não vão muito mais além... Na terra de reis e rainhas imperam os turistas que, além de endinheirados, emprestam a Portobello um quê de Babel pós-moderna. Italianos, espanhóis, brasileiros, japoneses, franceses, indianos, coreanos, chineses e outros tantos representantes dos lugares mais diversos do planeta caminham, “parlam”, “hablam”, compram, fotografam, riem e se dividem em tribos variadas.

Ao andar naquele turbilhão, a impressão era de que eu estava vivenciando um dos típicos sonhos nonsense que nos acometem de quando em vez. E a sensação era ainda mais intensa devido à minha ânsia de captar, escutar, absorver e registrar cada detalhe (aliás, registrei com os olhos porque, como já expliquei em um post mais antiguinho, fiquei tão abobada olhando tudo que mal me lembrava de fotografar...). Essa coisa de viajar pouco faz da gente escravo dos cinco sentidos quando fora do nosso habitat. Eu, pelo menos, sou assim. Entro em parafuso pelo desejo de apreender mais do que posso no pouco tempo que geralmente tenho para andar por aí. É pena porque essas impressões não raro originam quadros difusos e desconexos – como se fossem compostos por um sem-número de pintores de escolas estéticas distintas. E, para complicar, fui cair de pára-quedas no turbilhão da Portobello apenas duas, talvez três horas depois de chegar a Londres, pela primeira vez na vida, em setembro do ano passado... Foi demais para uma tarde só.



Eu ainda estava sob o impacto da Babel anterior, vista e "ouvida" no vagão do metrô (repleto de pessoas de diversas nacionalidades tagarelando em idiomas variados) que nos levou a Holland Park, para a casa onde "Meu bem, meu 'Mau'” já estava hospedado havia dois meses. Aliás, a casa – cuja proprietária era leitora voraz – é um capítulo à parte dessa história. Por seus quatro pavimentos, não havia sequer um cômodo, canto ou vão de escada em que não houvesse livros, revistas e jornais espalhados por sobre mesas, cadeiras, estantes, prateleiras. Um deleite... Na foto acima, vemos um cantinho da cozinha, com prateleiras de livros ao fundo e revistas e jornais sobre a mesa...



Mas, voltando à Portobello Road, o que presenciei foi um misto de lindo dia de sol, músicos se apresentando nas calçadas, casas com jardins cuidadíssimos, roupas, antiguidades e lojas que atraíam pencas de profissionais e amantes da moda (na primeira loja que entrei, por exemplo, dei de cara com uma consultora de moda brasileira que tinha um quadro de dicas no Canal GNT...). O visual das pessoas era variadíssimo: meninas usando shorts com meias-calças (de todas as cores imagináveis), outras com maquiagem pesadíssima, como as protagonistas das novelas mexicanas, rapazes com look hippie-chique, outros fazendo a linha básica, com jeans e camiseta e, é claro, as mulheres do tipo perua (com as roupas de estampa de oncinha que sempre me dão engulhos).



Também havia orientais aos montes portando sobretudos e cabelos do tipo “Sim, sou moderno(a) e moro em Tokyo” e indianos com seus turbantes multicores. Por toda a extensão da rua, centenas de barracas ofereciam, ainda, comidas tão variadas quanto as nacionalidades das pessoas que transitavam por ali. Eu me rendi a uma mistura de camarão com pata de siri e, como sobremesa, tracei uma caixa inteira repleta dos morangos mais doces que já comi em toda a minha vida. De resto, me deixei levar pela viagem visual que eram as pinturas figurativas à venda nas barracas, bem como os pôsteres de astros do cinema, as echarpes de todas as cores possíveis... Adorei passar em frente à casa do escritor George Orwell, situada metros antes da profusão de feirantes, chapéus, boinas, bares com mesas lotadas, cervejas sendo cultuadas por grupos de amigos sorridentes, árabes, saias esvoaçantes, menininhas vestidas à la Sara Kay (leia-se: trajadas como as personagens do álbum de figurinhas Bem-me-quer, que eu colecionava quando criança...), tules, rendas, estampas e bolsas... Zilhões de bolsas, para a minha absoluta perdição...



Dentro da minha cabeça tudo isso virava um redemoinho de dimensões ainda desconhecidas. Era muita gente, informação, mercadoria... Pra não perder tudo aquilo, cheguei em casa e fiz anotações esparsas nas duas últimas páginas, em branco, de uma edição de "O continente", volume 2, da obra "O tempo e o vento", de Erico Veríssimo, cuja leitura eu estava para terminar. Achei perfeito anotar as impressões daquele dia inesquecível (e o conseqüente redemoinho mental que produziu em mim) em meio a um livro cuja história é, justamente, sobre os desenrolares e conseqüências trazidas pelo tempo e o vento. E falando em tempo... Este post está atrasado exatamente um ano e dois meses...

Um comentário:

Cássia disse...

adoros posts "diário de bordo"!