quarta-feira, junho 08, 2011

Ligações perigosas

Fui atropelada por uma história. Não quebrei nada, mas fiquei com os movimentos bastante comprometidos. Tornei-me desprovida de flexibilidade para realizar qualquer outra coisa que não seja transformá-la em palavras. Não sinto dores atrozes, mas existe, sim, muito desconforto. É como se estivesse traindo a história anterior, a mesma com a qual já estou oficialmente casada há quase três anos. Fico aqui tentando dar conta das duas, cruzando agendas, inventando desculpas para a história oficial – que vive cobrando minha presença, dedicação, afeto, comprometimento, entrega. Mas a nova narrativa é tão sedutora... Tão cheia de vida, de charme, de possibilidades. Impossível resistir.

Na verdade, estou convencida de que amo as duas. No caso da titular (aquela cujo contrato de publicação já está assinado), lembro com amor imenso de cada detalhe de nossa relação: a redação do projeto, a procura por editora, o longo período de pesquisas – que parece nunca se esgotar –, os fichamentos, as dezenas de entrevistas feitas, as horas intermináveis de transcrição, as fotografias, os lugares visitados e, finalmente, a redação dos primeiros textos. Penso nela em demasia, quero voltar aos seus braços o quanto antes, mas o poder de atração da nova história é tão impressionante que simplesmente não consigo deixá-la, mesmo sabendo que é pura incerteza, tiro no escuro, frio na barriga... Investimento numa relação sobre a qual ainda não existe nenhuma garantia de futuro.

O fato é que não me resta alternativa a não ser vivenciar esse amor simultâneo por duas histórias completamente díspares com aquela frase clássica do personagem cafajeste interpretado por John Malkovich no filme Ligações Perigosas: “It’s beyond to my control”.

Mas já que pareço perdida, aproveito a encruzilhada para refletir: além do estresse diário, qual a pena para um escritor/escritora que se relaciona de maneira descarada com duas (ou mais!!) histórias ao mesmo tempo? Seria a loucura? O medo constante de não concluir nem uma história nem outra? O pavor de criar dois textos capengas? E já que toquei no assunto... Não seria a própria “pena” o destino de todo escritor?

Pois é. Que atire a primeira pena quem nunca cobiçou a história sedutora que passa ao lado, jogando charme.

2 comentários:

Marcelo Cursino disse...

Goimar, como marketeiro de formação, devo advertir-lhe de que, dadas duas ou mais alternativas estratégicas e a partir do momento em que fazemos a escolha por uma delas, jamais saberemos o que teria acontecido se tivessemos optado por outra! Talvez esta seja a grande angústia e tormento da Humanidade - a impotência sobre o tempo. Tudo é incerto, efêmero e imprevisível. Digo isso com autoridade e propriedade de quem já passou (e ainda passa) muitas vezes por isso. Portanto, se eu estiver em condições de aconselhá-la, diria para você fechar os olhos, respirar fundo, fazer uma escolha e se esquecer da outra. A menos, é claro, que você possa viver ambas simultaneamente. Afinal, uma história nunca tem fim (como no último capítulo de um romance), mas apenas inicia o primeiro capítulo de uma nova. E, muitas vezes, diferentes histórias se esbarram em diferentes momentos de nossas vidas. Ainda não sei o porquê disso, mas, com certeza, tem um motivo plausível. Como em um filme de Quentin Tarantino...

poesia potiguar disse...

Oi, Marcelo!

obrigadíssima por me presentear com uma reflexão tão pertinente. Apesar de me ver às voltas com dúvidas e demandas relativas às histórias com quais estou trabalhando no momento, não posso negar: prefiro "penar" por ter de administrar histórias em profusão do que sofrer a angústia de uma possível escassez dessas mesmas histórias que, no fundo e na superfície, é que dão graça às nossas vidas. Você disse tudo quando mencionou Tarantino: recortes, colagens, sobreposições, retrocessos, avanços, ritmos harmônicos e dissonantes, o mix do passado, do presente e do futuro... É certo que tudo tem um motivo. Nós é que, quase sempre, não somos suficientemente aptos para entendê-lo. Sigamos tentando!

Abraços!