sexta-feira, abril 18, 2008

Complexo de Ícaro (ou... À sombra de uma saudade)


Estou só nesta madrugada. A solidão das horas negras e, paradoxalmente, estelares.
Minha única companhia é a beleza triste das flores sobre a mesa. Talvez elas pressintam, de alguma forma, a vida efêmera a que estão condenadas... Mas é importante dizer que mesmo na dor de se saber finitas, elas lançam no ar aromas suaves e enfeitam o ambiente com máxima elegância. Uma qualidade rara entre as pessoas, porém muito evidente em mulheres como Ingrid Bergman, Audrey Hepburn e Greta Garbo – que pareciam ter absorvido consigo grande parte do néctar que deveria compor a essência feminina universal.

Fecho os olhos. Deixo de lado as flores e as divas do cinema. Minha consciência se expande e, quando dou por mim, saio do quarto e atravesso a cidade de pijamas, num vôo cego à sua procura. Sentindo a brisa da noite em meu rosto, sigo planando e, invisível aos olhos mundanos, adentro em bares, boates, teatros, cinemas e restaurantes sem, no entanto, encontrar aquele que habita meus sonhos, meu coração, minha alma. Volto pra casa atordoada como o jovem Ícaro que, em frações de segundo, percebeu seu infortúnio em não conseguir alcançar o sol, ao mesmo tempo em que se deu conta da iminência da morte.

Reencontro meu quarto – que seria violentamente mais opressor não fosse a beleza fugaz das flores... Viro o rosto para o lado e, de repente, observo possibilidades de salvação sob a forma de um lápis e de folhas brancas. Escrever é também uma tentativa de transformar transtornos em experiências líricas. Antes de começar, respiro fundo – como é pertinente a todo grande ato de entrega. E então, eles chegam num jato, invadindo o território do papel como bárbaros: versos jorrando embriagados e tortos dessa minha alma insone e sem métrica...

Alma que se recusa, terminantemente, a encontrar uma rima para a saudade...

Goimar Dantas
São Paulo
17/04/2008

Um comentário:

Anônimo disse...

fantástico.

volto mais vezes!