quarta-feira, abril 15, 2009

Desabafo



Esses dias eu estou um porre.
Racional demais
e lírica de menos.
Pior é que não bebo
e não posso sequer contar com “aquele conhaque”
pra botar “a gente comovido como o diabo”.
E a lua que precede o conhaque?
Está escondida:
branca, pálida e bandida,
em algum lugar de Pasárgada.
E onde é Pasárgada?
Ainda não sei,
apesar de passar a vida procurando.
Noite dessas apelei
e rezei pro meu anjo da
guarda:
“Santo Anjo do Senhor,
meu zeloso guardador...
Onde está a poesia
que saiu e não voltou?”
Ah... Quero
uma Quintana
de coisas e não consigo!
Ando desiludida
e nem os textos da pessoa do Pessoa
têm conseguido me animar.
Já tentei hastear o Bandeira
no meio peito, mas tudo está
tão Baudelaire...
Tão meio mastro...
Aquela resposta?
Não vem.
Aquela carta?
Não chega.
Aquele e-mail?
Voltou...
Aquele prazo?
Esgotou.
Eu quero a minha
mãe! (Mas ela saiu
pra jogar vôlei com
o pessoal da terceira idade...)
Eu quero o meu pai,
mas ele já não vive mais.
Eu quero a minha irmã,
mas por não ter senso de direção,
ela não acerta o caminho daqui, não!
Eu quero o meu amor,
mas ele entrou numa reunião
que, pra variar, ainda não terminou.
Eu quero me concentrar
e escrever,
mas existe o telefone,
a energia (bagunça!) inesgotável das crianças,
a construção do prédio ao lado,
a gritaria do condomínio
na final do futebol.
Eu quero viajar,
mas isso ainda vai ter de esperar.
Eu quero voar,
mas Ícaro me aconselhou
a não tentar.
Eu quero encontrar o Mar,
mas forças ocultas
me impedem de ir pra lá
(seja para criar,
pra viver um sonho,
pra passear
ou tomar suco de cajá).
Eu quero estar
e também quero ir.
Então, se alguém por mim perguntar,
invoque um dos sambas mais líricos
que há e, mesmo sabendo que ainda estou aqui,
“diz que eu fui por aí.”

Goimar Dantas
São Paulo
15-04-09


Imagem: "O grito", Edvard Munch, 1893.

E pra completar o desabafo, outro samba-poema:

 Marisa Monte - Preciso me encontrar

3 comentários:

Cássia disse...

pelo que pude ver sua poesia já voltou, linda e forte como sempre!

Zilmara Dahn disse...

ai, nega...pior que eu não acerto mesmo.

deviam inventar um personal GPS Tabajara modelo pulso e braço.

ia bater na tua casa até tu cansar e fazer o truque " apaga a luz e faz silêncio"kkkkkkkk

love youuuu

Anônimo disse...

Que lindo ficou o poema, a sua eterna procura pela poesia, que está apenas e tão somente e sempre dentro de você. É que sua poesia é democrática, é dada, é marota e não gosta de brotar sempre sozinha! Ela precisa companhia, precisa compartilhar da poesia dos outros mestres e das outras sensibilidades como a sua. Aceite: sua poesia é sensível, tocante e... carente, precisa de companhias. Sua poesia nunca lhe faltou, ela só gosta de brincar de esconder para que você possa se reencontrar com seus pares de genialidade: Pessoa, Bandeira, Drummond, Hilda, Quintana, Otávio Paz, Borges, Tom, Vinícius, Adélia, Florbela e tantos outros, que você é uma poetisa-código aberto como a própria língua: sempre disposta a se encantar e a se inspirar neles todos e em você toda, nos seus vazios e nos seus preenchidos, na riqueza de tudo que a cerca e que faz da sua vida uma metáfora do jorro. É por isso que, volta e meia, você tem de achar que a poesia a abandonou. Não é não. Você é a poesia, ela está dentro de você, ela que clama por sair e se expressar nos versos que você consegue rimar sem uma rima sequer! É uma capacidade que me desnorteia, porque sinto cadência, ritmo e muita rima em versos sem rima expressa! É o casamento das palavras com a essência da sua poesia.
A cada dia e a cada novo poema, mais me encanto com sua poesia democrática.
Resta uma palavrinha, que é um lugar-comum tão bem empregado: PARABÉNS.
Prof. Leo Ricino